A renúncia como algo de negativo ou de positivo, de baixar os braços ou de “luxo”, de desalento (de quem fica esquecido na memória dos tempos) ou de coragem (de outros que fazem da renúncia um legado)…ideias que perpassaram pelas intervenções dos escritores participantes deste debate.

Sob a moderação de Henrique Cayatte estiveram perante um Teatro completamente a abarrotar: Afonso Cruz, José Anjos, Ondjaki, Pedro Vieira, Rui Zink e Raquel Patriarca.

Afonso Cruz, escritor e músico, natural da Figueira da Foz, deu conta de exemplos de homens que não renunciam. Um viajante de 73 anos que conheceu numa viagem a Jerusalém, que aos três anos já era refugiado. Voltou pela segunda vez a Haifa (Palestina) – “a primeira vez foi quando nasci” – para visitar a casa que tinha sido dos seus pais.

Apesar de a casa se ter transformado num parque de estacionamento, este novo amigo confessou a Afonso Cruz que “estava felicíssimo”.

Outro exemplo de homens que não renunciam foi o dos “poetas de Bagdade”. A última viagem de Afonso Cruz foi ao Iraque, onde visitou a rua de Almutanabi, em Bagdad. Uma rua que tem mais livrarias do que as que existem em Lisboa e onde, todas as sextas-feiras, se realiza uma gigantesca feira do livro ao ar livre. Em 5 de março de 2007, um bombista suicida perpetrou um atentado, que matou 26 pessoas e feriu outras 100, porém, menos de 24 horas depois já um poeta lia em cima das ruínas um poema de homenagem às vítimas e aos livros.

Cruz concluiu dando os parabéns à organização do festival porque “também as correntes prosseguem sem renunciar”.

José Anjos esteve pela primeira vez nas Correntes d’Escritas, vindo de Lisboa. Foi apresentado com o seu próprio texto: “sou formado em coentros, mas não exerço”…

O escritor começou por se referir ao que lhe suscitou o verso e do que alguém disse um dia “serão os versos inimigos da poesia?”

José Anjos considerou o verso de Sophia um desafio e apercebeu-se de outro significado: “há versos que lutam contra o poema que o gerou? Há versos que renunciam ao poema para se darem a conhecer?”

O escritor apresentou então uma imagem: “imagino os versos como gatos dentro de uma caixa no jardim, que dentro da caixa, lutam entre si para ver qual sobrevive”.

Para José Anjos a renúncia também pode ser um “luxo”, já que há “quem não consiga renunciar aos seus medos”.

Nascido em Luanda em 1977, Ondjaki (ou Conde Jaki – como o apresentou Cayatte) venceu em 2013 o prémio José Saramago com “Os Transparentes”.

Ondjaki trouxe ao Correntes, como é sua caraterística e nosso privilégio há muitos anos, um texto em que baila a poesia e a beleza das palavras. O escritor angolano conduziu as suas palavras com um eixo comum, as mãos de que se lembra – da avó e do tio Joaquim – e outras de que não se lembra – mãos da tia Maria, cozinheira que fazia um arroz de tomate, com pouco tomate, “e ainda bem, porque não gosto de arroz de tomate”.

O texto de Ondjaki foi ainda percorrendo mãos de escritores, Paula Tavares, Luandino Vieira, Rui Duarte Carvalho, Manuel Rui e de Sophia de Mello Breyner…

A intervenção seguinte foi de Pedro Vieira, criativo do Canal Q, responsável pela programação do cinema S. Jorge e publicitário. Pedro Vieira começou por dizer que não lia poesia, pretexto para aproveitar mais o uso da imagem do que da palavra. Resolveu trazer a imagem do quadro “A morte de Sócrates” do francês Jacques-Louis David (1787) para apontar a renúncia de Sócrates “ao beber sicuta”. Um pensador que não deixou nada escrito e deixou um legado através deste gesto de renúncia.

Pedro Vieira trouxe ainda um filme, como bom criativo, onde a conclusão é mesmo essa: Pedro Vieira lê mal em voz alta.

Rui Zink também foi apresentado com as suas próprias palavras: “escritor, professor e reformado”. O autor começa por falar de um mundo pós-11 de setembro que redunda numa época de “fakenews”, e que depois resulta “naquilo de que falou Afonso Cruz”, afirmou Rui Zink.

Para Rui Zink a sua intervenção tem falta de sentido, mas sobre isso “culpem o alemão – o Alzheimer”…e assim confuso, é o mundo também, “o mundo é caótico”, sublinhou, e na “poesia também ninguém percebe nada”. Talvez por isso Portugal seja “um país de poetas”.

Uma coisa é certa, afirmou, “quem lê poesia lida com o caos com menos stresse”.

A última palavra coube a Raquel Patriarca, uma jovem ligada à literatura infantil, documentalista e investigadora.

Em jovem foi estudar História da Humanidade, mas desiludiu-se porque a História estuda a realidade. A escritora referiu que não desistiu, mas aprendeu a “desertar um pouco” lendo livros.

Assim, preferia descobrir a História dos países através dos escritores: “a França era toda de Vítor Hugo”, a Rússia conheceu-a melhor através de Leo Tolstói e o Brasil não seria o mesmo sem Guimarães Rosa…

E foi assim que Raquel Patriarca fez o “curso ao contrário”. Encontrou “mais verdade nas palavras dos poetas do que em todos os livros de História”. Afinal, a poesia conta a verdade, enquanto os livros de História estão presos aos flancos das perspetivas.

A autora referiu-se ainda à mais triste das renúncias, a que se verifica nas crianças, “a desistência mais feia”, aponta Raquel Patriarca.

Acompanhe o 20º Correntes d’Escritas no portal municipal e no facebook Correntes. Consulte o programa completo do evento e fique a par de todas as novidades.