Alexandra Lucas Coelho, escritora e jornalista, participa pela primeira vez no Correntes d’Escritas. A estreante falou sobre a experiência de ter vivido no Brasil e como esses anos inspiraram o seu mais recente livro, “uma tentativa de construir imagens que me levasse a fazer a viagem de volta ao ano 1500. Essa é uma parte da História que Portugal não julgou até agora. Os índios não têm cara, não têm uma existência concreta mas a verdade é que um milhão de índios morreram com a chegada dos portugueses ao Brasil e seis milhões de africanos foram retirados dos seus países para serem escravizados. Em Portugal não existe qualquer tributo a essas milhões de mortes provocadas pela expansão marítima”

Álvaro Laburinho Lúcio confessou ter muita dificuldade em considerar-se escritor. E, para comprovar as suas dúvidas, a angústia em que entrou quando conheceu a frase que deu mote a esta Mesa. Ao texto que leu na sua intervenção, o antigo Ministro da Justiça deu o título de “A pequena história de uma grande angústia”. A dificuldade em entender a frase levou-o a procurar diversas formas que o auxiliassem nessa tarefa mas em cada uma delas encontrou um obstáculo.

Laborinho Lúcio afirmou que “aquilo que hoje está provado foi ontem imaginado” por isso, “o único conhecimento é a realidade que as imagens inventaram”. O escritor explicou que nesta frase há uma relação entre conhecimento e ignorância e que entre ambos há um campo vazio, o lugar da invenção pelas imagens. Segundo ele, a ignorância está a ascender de estatuto tal como ascendeu o tamboril. E perguntou: “será a ficção o arroz que faz elevar a ignorância?”.

A Clara Ferreira Alves ocorreram-lhe duas histórias enquanto ouvia os seus colegas de mesa: a irritação da Polícia quando faziam rusgas e diziam a José Cardoso Pires para se identificar e ele respondia escritor; e a pergunta de um milionário português a um seu amigo pintor conceituado “mas isso é pintura de paredes ou é mais picassadas?”.

A escritora não concorda com a frase. Para ela, são as palavras que inventam e não as palavras: “a única semelhança entre a escrita e a ciência é o método de fazer e desfazer até ao encontro da solução. A ciência tem um prestígio que a escrita, mesmo a jornalística, não tem. A Ciência é séria e a literatura está remetida a uma atividade marginal e de uma certa resistência ao mundo e ao seu sentido”.

Clara Ferreira Alves confessou viver em reclusão. “A aceleração brutal que os últimos anos tiveram, principalmente para a minha geração, a trivialidade mais abominável, a enxurrada de informação (nem sempre necessária e verdadeira) provocadas pela revolução digital começaram a deixar-me atormentada, deprimiam-me. Senti que a minha sanidade estava em causa com a intromissão constante destes elementos que me tornavam abúlica. Eu achava que estava a ficar mais burra”, afirmou.

Segundo a também jornalista, “há uma fase da vida que é marcada pela perda. Perdem-se livros, paisagens, amigos, inimigos, recordações. Parte do meu mundo é um mundo escrito, inventado por mim, um meio de comunicação com a realidade e que são as palavras. O tempo tinha-se reduzido e eu tinha de o aproveitar. Tornei-me reclusa o que, no início, foi um processo complicado. Ouvia os meus pensamentos e isso era assustador”. A sua companhia era o seu cão que vivia com ela dentro do quarto e que tinha consigo uma sintonia única, percebendo quando o dia tinha corrido bem e mal. “Deixei de me preocupar com o tempo encurtado. Descobri que quando a cabeça está coordenada com a parte motora e técnica da escrita as coisas tornam-se infinitas no verdadeiro sentido”.

Ferreira Alves confessou ter abolido o telemóvel por estremecer de cada vez que ele tocava e ela pensava que alguém queria falar com ela: “na verdade, ninguém quer falar com ninguém. As pessoas querem ouvir-se a elas próprias e, para me ouvir, eu já tinha encontrado o meu próprio método”.

Jordi Llobregat disse não ter entendido a frase quando a leu. A primeira reação foi pensar que era incompreensível por ser espanhol e não entender português. “Eu nunca tinha visto uma frase como esta”, sublinhou. E, mesmo com as intervenções de Alexandra Lucas Coelho, Laburinho Lúcio e Clara Ferreira Alves, não conseguiu decifrar o enigma porque “não entendi nada do que disseram. Se os via com tom sério é porque o tema era sério. Se via o Álvaro a sorrir é porque eu tenho de me rir. E quando vos via a bater palmas, batia também. Não entendi nada do que o Álvaro disse mas achei-o brilhante”. A opção passava, então, por falar muito devagar para que o tempo passasse. Ou, então, inventar qualquer coisa sem sentido. Afinal sou escritor e criativo e espera-se que não me compreendam”.

A palavra ciência é a que menos gosta nesta frase. “A escrita são imagens e, por isso, gosto de observar as pessoas. Atraem-me porque cada um de vós são histórias nos gestos, nos olhares, nas cores dos olhos, na forma de se movimentarem. Sempre me fascinou a comunicação não verbal. Como escritor encanta-me olhar para as pessoas”.

Jordi contou que a sua filha pequena um dia lhe perguntou se Peter Pan era real. “Na tua cabeça pensas que é uma metáfora para a morte mas o que respondes é sim, é real. Mas não dizes sim porque não queres acabar com a sua ilusão mas porque é real”. O espanhol afirmou que a sua filha lhe recupera realidades que eu esqueci e que são literárias. Dá-me ideias tão criativas que geram imagens”.

Jordi Llobregat disse ser obcecado por colocar em dúvida a realidade.

Sobre as redes sociais afirmou só servirem para confundir. “Vivemos num mundo audiovisual. Depois do cinema, todos os escritores escrevem de forma audiovisual. Podemos tentar escrever como no século XVIII mas não conseguimos”.

“Uma palavra são também mil imagens”, concluiu.

José Manuel Fajardo partilhou o seu desgosto quando os escritores que convida para um encontro literário que organiza lhe dizem que não entenderam as frases que escolheu como temas para os debates. Por esse motivo, iria tentar não dizer mal da frase que lhe calhou nesta edição do Correntes d’Escritas. “Primeiro pensei que nenhuma frase tem sentido fora do contexto em que foi escrita. Falta a paisagem que lhe dá sentido. Uma palavra pode provocar mil imagens e ter mil sentidos, ainda mais quando está acompanhada por outra palavra”.

Nesta frase sobressaem quatro palavras: ciência, realidade, imagem e o verbo inventar. Mas Fajardo questiona: “como definir o que é uma imagem?”

“Temos dificuldade em perceber a realidade e temos duas ferramentas para o conseguir: as imagens e as palavras. E a ciência é um mecanismo para percebermos a realidade de forma mais objetiva. Ela não é só contemplativa, não é só o desejo de saber mas é, também, o desejo de atuar. O conhecimento estimula a ação”.

Habilidade de alguém em fazer algo: expressão espanhola ciência

O escritor afirmou que “no mundo em que vivemos as imagens parecem ter força por si próprias, ter impacto nas emoções das pessoas”.