“A cultura é cara, a incultura é mais cara ainda” (artigo de opinião escrito por Sophia de Mello Breyner no semanário Expresso a 12 de julho de 1975) foi o tema de partida desta Correntes à conversa em que se falou de política, justiça, educação e da faceta de escritor do antigo Ministro da Justiça.

E a propósito da frase escrita há mais de 40 anos, Álvaro Laborinho Lúcio destacou a importância de saber o que aconteceu não só à cultura daí para cá, mas sobretudo o que aconteceu à incultura.

Deu o exemplo de um “homem que não chegou às constituições culturais por via do direito, foi por via da cultura que ele chegou à dimensão cultural da Constituição. Isto é demonstrativo de que a cultura não é alguma coisa que fica para lá da nossa atividade do quotidiano”. Na sua opinião, “há dimensões culturais que têm muito a ver com o lúdico e com a ocupação de tempo, mas que não são, não constituem o cerne da dimensão cultural que aqui nos traz e estava no espírito de Sophia quando escreveu o artigo. É esta essencialidade em que a cultura se transforma e nos incorpora a cada um de nós. A partir dessa dimensão de incorporação interior da cultura transformámo-nos naquilo que podemos ser”.

Álvaro Laborinho Lúcio transmitiu que “se chegarmos ao ponto em que podemos considerar que a cultura está dentro de nós numa mescla de desejo e de necessidade já não podemos fazer uma hierarquia de necessidades para considerar a cultura uma coisa menor”. Na sua opinião, “quando falamos de cultura, falamos também e essencialmente nesta perspetiva estamos muito a falar do fruidor, daquele que tem necessidade de fruir das realizações culturais, tem a necessidade de dialogar com outros a partir de centros de interesse que podem ser diversificados. Há pessoas que não conhecem áreas vastíssimas que consideramos constituírem objeto de cultura e não são menos cultas por isso, porque têm outro tipo de opções. A questão não está, portanto, em quantificar o que se sabe, está em que verdadeiramente temos a consciência de que a cultura é alguma coisa que faz parte das necessidades de cada um de nós, quase das necessidades de natureza biológica na relação que temos uns com os outros. Depois cada um, a partir do seu espírito crítico e da sua liberdade, fará as opções que pode fazer”.

Contrariamente a esta atitude, “foi tendendo a acontecer entre nós uma certa instalação de uma incultura que se vai tornando poderosa” e hoje impõe-se a questão nobre de “saber até que ponto não há uma pulverização da incultura que a transformou num verdadeiro poder e até que ponto não é hoje ela própria um centro de afirmação de poder”.

O juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça falou da distinção clara entre cultura e política: “enquanto à política se pede respostas, a cultura dá-nos perguntas; enquanto à política se pede soluções, a cultura dá-nos problemas; enquanto à política se pede o futuro, a cultura dá-nos a ligação entre o passado, o presente e o futuro”.

A educação também foi um tema abordado por Álvaro Laborinho Lúcio que disse que “a escola pública em Portugal é talvez a instituição pública que mais sucesso teve depois do 25 de Abril. Todavia, hoje há duas correntes que se contrapõem: uma que entende que a educação é um instrumento do desenvolvimento económico, outra que entende que a educação é um instrumento para a cidadania e para a democracia”.

Na sua perspetiva, “hoje temos uma escola aberta para todos, mas onde ainda nem todos pertencem e sobretudo uma escola com aluno norma que entulha as crianças com o máximo de competências. Esta escola não está preparada para criar na criança uma necessidade e um desejo pela cultura que depois lhe permita sair para o comum do dia a dia como portador da cultura. Nesta medida, temos um caminho muito grande a desenvolver”.

Questionado porque motivo só começou a publicar literatura em 2014, Álvaro Laborinho Lúcio apontou, no imediato, a perda de pudores a partir de uma certa idade, mas, depois argumentou com o facto de que sendo magistrado não poderia escrever um romance como é o seu primeiro: “sendo magistrado, aos olhos do público, lido com a verdade, e não posso escrever um romance em que o protagonista principal passa o tempo todo a dizer que a verdade não são os factos. Não posso simultaneamente ser magistrado e escrever uma coisa dessas”.

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