A iniciativa, organizada pelo Centro de Informação Autárquico ao
Consumidor (CIAC), contou com as intervenções de Américo Gravato Morais, da
Escola de Direito da Universidade do Minho e Paulo Duarte, da Faculdade de
Direito da Universidade Lusófona do Porto. Na mesa estava também Afonso
Oliveira, Vereador do Pelouro de Desenvolvimento Socioeconómico e João Mariz,
do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados e moderador deste debate.

Em nome
do município, Afonso Oliveira referiu a importância atribuída à organização
desta iniciativa que aborda um tema muito interessante e actual, reforçando o
papel da Câmara Municipal como catalisadora e divulgadora de informação. Sobre
o tema, “Crédito ao Consumo”, o Vereador mencionou que “o volume de empréstimos
para este fim aumentou 271 milhões entre Janeiro de 2010 e igual mês de 2009,
sendo que o malparado aumentou 277 milhões de euros no mesmo período. Crescem
mais as dívidas por pagar do que o valor do stock de crédito ao consumo”. Os
dados são do Banco de Portugal e foram publicados na edição de 23 de Março de
2010 do Jornal de Notícias, e revelam uma faceta muito particular dos
portugueses que colocou mesmo o país em segundo lugar, num conjunto de oito, na
taxa de crescimento anual de crédito ao consumo em 2009, só superada pela
Hungria. Esta situação é grave para o nosso país e daí a importância da
legislação em relação ao crédito ao consumo, acrescentou.

Américo
Gravato Morais fez uma abordagem geral ao Decreto-Lei nº 133/2009 que é fruto
da transposição de uma Directiva Comunitária que deixou ao legislador muito
pouca margem de manobra fazendo com que todos os Estados-membros, assim como
Portugal, lhe estejam vinculados e a sigam em rigor. O docente referiu
que o diploma é constituído por seis capítulos: Objecto, âmbito de aplicação e
definições; Informação e práticas anteriores à celebração do contrato de
crédito; Informação e direitos relativos aos contratos de crédito; Taxa anual
de encargos efectiva anual (TAEG); Mediadores de crédito e Disposições finais e
alertou para o facto de apesar de ter entrado em vigor no dia 1 de Julho de 2009, a contratos
celebrados anteriormente é aplicado o decreto-lei anterior, ou seja, existem
dois diplomas a aplicar-se concomitantemente. Américo Gravato realçou a noção
de “Mediadores de crédito”, que é uma novidade e cuja actividade profissional
será objecto de legislação especial e também o Regime de exclusões que é mais
vasto à luz do novo diploma. Em relação ao segundo capítulo, considera que este
apresenta um conjunto vastíssimo de informações pré-contratuais, o que resulta
numa quase impossibilidade do credor conseguir informar o consumidor no momento
anterior à celebração do contrato. O diploma prevê ainda que “essas informações
devem ser entregues em papel ou noutro suporte duradouro e devem igualmente ser
legíveis, devendo ser prestadas através da ficha sobre «Informação normalizada
europeia em matéria de crédito a consumidores”. Outra das alterações consiste
na harmonização do prazo para exercer o direito de revogação, agora, “direito
de livre revogação”, segundo o qual o consumidor dispõe de 14 dias, “sem
necessidade de indicar qualquer motivo”, elucidou. Américo Gravato Morais
referiu-se ainda ao Contrato de crédito coligado, apenas uma noção, o que não
acontecia anteriormente, e pelo qual se considera que o contrato de crédito está
coligado a um contrato de compra e venda ou de prestação de serviços específico
se o crédito concedido servir exclusivamente para financiar o pagamento do
preço do contrato de fornecimento de bens ou de prestação de serviços
específicos e ambos os contratos constituírem objectivamente uma unidade
económica.

Paulo
Duarte começou por referir-se aos contratos de concessão de crédito ao
consumidor recuando ao século XVII, mais concretamente às Ordenações Filipinas
de 1603, onde se previa que fosse punido severamente quem tentasse cobrar juros
de empréstimo concedido. Actualmente, a legislação é menos severa e no que se
refere ao Decreto-Lei nº 133/2009, o artigo 28º refere que “é havido como
usurário o contrato de crédito cuja TAEG, no momento da celebração do contrato,
exceda em um terço a TAEG média praticada no mercado pelas instituições de
crédito ou sociedades financeiras no trimestre anterior, para cada tipo de
crédito ao consumo”, ou seja, a usura é aplicável apenas aos contratos de
concessão de crédito ao consumidor e a sanção consiste na redução das taxas ao
máximo permitido. Neste sentido, Paulo Duarte apresentou alguns problemas
relativos ao regime do art. 28.º do D.L. 133/2009: “apesar de tudo, um
privilégio concedido às Instituições de crédito e às sociedades financeiras, na
medida em que pressupõe que não estão sujeitas ao regime geral do Código Civil”,
um privilégio assente num dos maiores equívocos da comunidade jurídica
portuguesa (doutrina e jurisprudência) nos últimos anos, o equívoco da liberalização
do regime dos juros por via do Aviso 3/93 do Banco de Portugal.

Paulo
Duarte considera tratar-se de um equívoco porque a limitação dos juros cobrados
pelos bancos não resultava do Aviso 3/88 do Banco de Portugal, revogado pelo
Aviso 3/93; resultava, isso sim, da lei geral (arts. 1146.º e 559.º-A do CC) e os
Avisos do Banco de Portugal são meros regulamentos administrativos, que jamais
poderão infringir disposições legais imperativas (e nem a tanto podem ser
habilitados por qualquer lei).

O
Professor disse que os Avisos do Banco de Portugal têm um âmbito subjectivo de
aplicação limitado, na medida em que apenas vinculam as entidades sujeitas ao
seu poder de supervisão, mas não os que com elas celebram contratos (que ficam
sujeitos ao regime geral). Na sua opinião, a solução do art. 28.º do D.L.
133/2009 representa a “normativização do facto” (o limite do exagero é a média
do próprio exagero). Não se trata sequer de um mecanismo de verdadeira
auto-regulação; trata-se, antes, de sujeitar o mercado à média das situações de
facto que resultam da desregulação, constitui um incentivo à cartelização,
acrescentou.

Paulo
Duarte pensa que não é compreensível a razão pela qual a natureza usurária do
contrato se refere, exclusivamente, a TAEG vigente “no momento da celebração do contrato”, desconsiderando alterações
posteriores (parece mesmo estar em causa a regra geral do art. 12.º/2 do Código
Civil).

Muita mais informação foi partilhada neste debate
que contou, entre o público, com uma grande adesão de advogados, juristas e
conselheiros de consumo e ainda elementos do Centro de Estudos e Formação –
Conclusão e do Centro de Formação Profissional do Sector Terciário do Instituto
de Emprego e Formação Profissional do Porto.