Moderados por José Carlos de Vasconcelos, Antonio Gamoneda, Eduardo Lourenço, João de Melo, Lídia Jorge e Ungulani Ba Ka Khosa fizeram intervenções diversificadas, não se deixando acorrentar ao tema sugerido.

João de Melo dedicou a sua intervenção, intitulada “Viagem pela ideia da crise”, a Eduardo Lourenço. “Uma crise sem paredes que circula entre todos os espaços em branco, essa espécie invasora que já não se detém no limiar de nenhuma fronteira”, transmitiu, acrescentando que “para mim, à única e verdadeira crise dá-se o nome de hiperidentidade”.

E continuou dizendo que “nenhuma ideia de felicidade nos pertence” e “em Portugal já não acontece nada”.

Para o escritor natural dos Açores, “voga por aí uma presença estranha, o rosto invisível e absoluto de um qualquer outro ocupante estrangeiro” e, “agora, impõe-nos uma ordem social e espiritual que nunca foi nossa”.

“Não posso nem devo queixar-me de um país que já não existe”, reivindicou João de Melo, lamentando tudo o que o cerca.

Ungalani Ba Ka Khosa, estreante no Correntes d’Escritas, expôs parte dos seus “ salutares equívocos” da sua juventude à medida que se foi deparando com os mais diversos autores de literatura portuguesa.

Para o escritor moçambicano, a narrativa portuguesa era sagrada e proporcionou-lhe satisfação e frescura em diferentes etapas do seu percurso literário.

Segundo Ungalani Ba Ka Khosa, “as letras e artes renovam-se, progridem. No entanto, cada texto nosso tem a marca de um texto anterior. Em literatura, o passado, as obras que antecedem a nossa não morrem nunca”.

Lídia Jorge optou por contar algo íntimo, “o que mais me toca”, falando sobre o universo semelhante do escritor e do leitor, descrevendo o dia em que lutou com o cérebro louco e com o cérebro lúcido, triunfando o louco.

“Escrevemos com raivas e alegrias que a vida nos vai dando”, revelou, contando que “tenho admiração pelos Românticos porque acreditam profundamente que o espírito louco tinha uma mensagem”.

Para a autora, “escritores e leitores são tão semelhantes uns aos outros”.

Eduardo Lourenço começou por dizer que se tratava de um momento singular: “primeiro, por não estar em Lisboa e aqui estar Portugal todo que não está em Lisboa; segundo, por aqui se concentrar, durante três dias, o essencial do que desejaríamos que fosse a lusofonia”.

O Professor definiu o Correntes d’Escritas como “uma espécie de milagre que se renova todos os anos e ao qual podemos assistir em direto, sem televisão”.

Sobre a temática da crise abordada por João de Melo, referiu que “felizmente, a crise que estamos a atravessar não é de ordem literária, nem tem repercussões na literatura. Estamos a atravessar uma época que deixará as suas marcas”.

Segundo Eduardo Lourenço, “estamos cercados e imersos num tipo de cultura, a cultura ocidental, que atravessa a maior crise dos tempos que conhecemos até hoje. Não propriamente uma crise europeia, é uma crise que vem do centro de um sistema que não tem centro. É uma espécie de crise sem sujeito. Estamos vivendo como uma civilização planetária, num momento de mudança de paradigma. E a cada dez anos é como se mudássemos de cultura, de planeta. Ainda não temos resposta porque essa resposta só pode vir do futuro, da resposta que dermos à crise”.

Para o Professor, “a literatura serve fundamentalmente para remediar, na medida do possível, as feridas da vida real”.

Antonio Gamoneda debruçou-se sobre o valor da linguagem e a sua origem, bem como sobre o significado atual do pensamento poético. Na sua opinião, a palavra foi a origem do pensamento, exemplificando que só quando o homem foi capaz de nomear de nomear o fruto, passou a entender a presença intelectual do mesmo. Esta progressão constituía o pensamento, elemento configurador da vida humana.

O escritor já vencedor do Prémio Cervantes e do Prémio Reina Sofía de Poesía Iberoamericana referiu-se a outra circunstância importante no que concerne à natureza da poesia. Remeteu-nos para o homem primitivo com impulsos naturais para a canção e dança, tal como os bebés que pouco depois de nascerem são também sensíveis às canções e embalos das mães. Trata-se de uma naturalidade inata que proporciona prazer, constatou, contando o episódio de uma criança de quatro anos ter dito, acidentalmente, poesia: “a lua sangra no rio”. Uma casualidade mas que parece que estamos perante um pensamento poético impensado.

Perante esta analogia, Antonio Gamoneda sugeriu que o homem primitivo, criador de palavras, as dizia por impulso. Nomear, pela primeira vez, uma coisa é criar a realidade intelectual dessa coisa. Revelação e criação são elementos importantes da experiência poética.

Para o escritor castelhano, a palavra poética é prioritariamente sensível a inteligente. A poesia é realista porque ela própria é uma realidade em si mesma.

Acompanhe a par e passo o 15º Correntes d’Escritas, no portal municipal, onde também já é possível visualizar a fotogaleria da Mesa 1.