A Mesa 10, última na Póvoa de Varzim do 26.º Correntes d’Escritas, decorreu com a sala principal do Cine-Teatro Garrett completamente lotada.
Moderada por Maria Flor Pedroso, a discussão em torno de “Guernica” de Pablo Picasso contou com as intervenções de Antonio Monegal, Ignácio de Loyola Brandão, Inês Pedrosa, Minês Castanheira, Onésimo Teotónio Almeida e Raquel Patriarca.
Vindo de Barcelona, Antonio Monegal considera que o tema é “tristemente oportuno pelo contexto de guerras que vivemos”. Para o autor, o quadro “não é um documento, pois não dá testemunho de algo que viu. Temos que ler através de signos construídos indiretamente. Fala do bombardeamento de Guernica mas também das guerras que se seguiram. É um quadro de propaganda, um panfleto contra a guerra, que foi reutilizado, pois teve muitas vidas enquanto peça de propaganda política”. Terminou, expressando que esta obra de Picasso nos faz recordar todas as guerras e alertar as consciências para esta realidade.
Consciente de que estamos todos vivendo na maior ansiedade, Ignácio de Loyola Brandão envolveu a plateia numa história em que refere todas as figuras da atualidade protagonistas de mudanças profundas e guerras, bem como momentos marcantes de pavor, caos, destruição e morte. Para que tudo isto fosse retratado numa peça de arte, “a nova «Guernica» teria de ocupar milhares de metros quadrados”. Fazendo alusão a todas as ameaças que vivemos atualmente, o escritor e jornalista de 88 anos terminou advertindo que “quando o planeta se desfizer, não haverá ninguém para pintar a terceira «Guernica», intitulada «Juízo Final».
Na sua comunicação, Inês Pedrosa definiu “a arte como uma forma de lutar pela verdade. A arte resiste ao tempo e resistirá a todas as Inteligências Artificiais. Toda a arte é política. «Guernica», que Picasso produziu em pouco mais de um mês, representa todas as guerras da humanidade e continua atual”. Apesar de se tratar de um tema duríssimo, Inês Pedrosa tem uma visão otimista e considera que “todos podemos intervir e melhorar algo no mundo”. Referiu-se a outras guerras do quotidiano como a fome, a desigualdade de género e a ausência de direitos, contra as quais devemos atuar.
Pablo Picasso inspirou Minês Castanheira a dar a conhecer a artista têxtil norueguesa Hannah Ryggen cujas peças denunciam abuso de poder e violência, como foi o caso de «Etiópia», tapeçaria encomendada pelo governo norueguês.
Perda, memória e silêncio foram o ponto de partida para a intervenção de Raquel Patriarca, definindo a perda como a mais universal e intemporal a par da esperança. A saudade vem por arrasto no oceano das perdas que vivemos em comunidade.
A escritora evocou a avó e a mãe, às quais se junta numa imagem: “tenho um sofá de três lugares transformado em buraco para onde desapareço quando preciso de fugir de um mundo que não compreendo. O meu sofá torna-se o regaço onde me protejo. Escrevo na tentativa de encontrar para mim um lugar que não encontro em lugar nenhum”.
Como já é tradição, Onésimo Teotónio Almeida fez a última comunicação da tarde e, como não podia deixar de ser, deliciou o público com o seu sentido de humor e algumas histórias bem divertidas sobre Picasso e a sua arte.
“Guernica” fez o escritor deter-se sobre a luta pela democracia, advertindo que “30 anos depois corremos o risco de estar perto do fim da democracia”, centrando-se na ditadura de Trump, como forma de expressão da sua fúria pela ausência de valores. Esta é a atual guerra: “a luta pela salvaguarda dos valores que privilegiam o respeito pela verdade, pela defesa dos valores em que assenta a democracia e a paz social. É urgente dar a volta a tudo isto!”
Todas as Mesas do evento contaram com a prestação preciosa de dois intérpretes de língua gestual.
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