“Os media (ainda) são necessários?”: foi esta a questão a que Francisco Pinto Balsemão se propôs responder na Conferência de Abertura do Correntes d’Escritas.
O antigo Primeiro-Ministro afirmou que “o mundo maravilhoso da Internet criou novos universos, nem todos positivos, precisamente porque o exercício da liberdade ultrapassou limites que não são aceitáveis”. Balsemão referia-se às redes sociais e aos motores de busca que proliferam falsas notícias criadas por sites enganosos e com a clara intenção de ludibriar o público. As eleições americanas vieram demonstrar a capacidade do algoritmo do Facebook de adaptar conteúdos, verdadeiros ou falsos, aos “likes” de quem usa esta rede social. Assim, o utilizador acaba por só ver, ou quase só ver, o que, verdadeiro ou falso, foi detetado como estando a seu gosto, e não vê o que não está a seu gosto.
A falsa “notícia” do apoio do Papa a Trump insere-se neste registo, mas, como ela, entram todos os dias nas redes sociais centenas de outras, verdadeiras e falsas, que são criteriosamente enviadas a quem gostará de as receber e difundir, sublinhou o Presidente do Grupo Impresa.
“É claro que as redes sociais têm aspetos positivos que devem ser reconhecidos, mas os dados causados pela credibilidade da mentira são irreparáveis. São levadas a cabo verdadeiras campanhas de destruição de pessoas, marcas, empresas e instituições da sociedade civil”. Balsemão sublinhou que a (des)informação afoga e distorce a realidade.
“O espectador, atualmente, pode ver-nos onde quer, como quer e quando quer. Hoje, aliás, é o próprio consumidor a produzir conteúdo nas redes sociais”.
Segundo Francisco Pinto Balsemão, o futuro está ameaçado por três situações que já começam a ter peso no presente: “a primeira é o domínio do nosso tempo e da nossa atenção por novos produtos, gerados pelos agregadores de conteúdos e, cada vez mais, pelas redes sociais, uns e outras, por sua vez, dominados pelos gigantes norteamericanos (os suspeitos do costume: Google, Facebook, Instagram, Pinterest, Twitter, Snapchat) ou por outros gigantes (como é o caso da China, com o Alibaba).
A segunda consequência é o aparecimento de duas novas enfermidades ou inferioridades, se quisermos ser mais suaves: a infobesidade (há informação a mais, quase toda superficial, muita dela falsa, não investigada nem contraditada, confundida com opinião e produzida, em muitos casos, ao abrigo do cobarde anonimato da Net). A outra enfermidade é a divided attention disorder: somos tão solicitados e atraídos pelo telemóvel, pelo iPad, pelos alertas, pelos emails, que acabamos por não conseguir concentrar-nos e, muito menos, definir e seguir prioridades.
A função do jornalismo é, então, para o fundador do jornal Expresso ajudar os cidadãos a perceber o que é verdadeiro e o que é falso. Se as redes sociais, se os famosos algoritmos, não estão a limpar o lixo que habita na Internet, cabe-nos a nós, jornalistas, profissionais do setor, assumir o papel de separar o trigo do joio”.
A democracia, segundo Balsemão, depende tanto da comunicação social como esta depende daquela. A imprensa é válida e necessária enquanto conseguir mostrar o seu contributo para uma sociedade esclarecida. 2017 é um ano cheio de incógnitas para o Mundo, desde os EUA, passando pelo expansionismo de Putin, pelas eleições francesas e alemãs, pelo crescimento do terrorismo e pela aparente insolvibilidade da questão das migrações. “Uma democracia não sobrevive sem liberdade de expressão e sem liberdade de imprensa. Não podemos dar a liberdade por adquirida e definitiva”.
“Muitos teimam em apelidar o jornalismo como 4º poder mas, para mim, a imprensa é o contrapoder. É a outra face da moeda. E que legitimidade tem um contrapoder que não foi eleito democraticamente? Esse poder é legitimado pelo povo, detentor da decisão final. O público, ao longo das décadas, tem destruído e levado ao sucesso televisões, rádios, filmes, peças de teatro, livros, etc. Não partamos do princípio que o marketing é capaz, por um longo período de tempo, promover com sucesso um produto”.
Francisco Pinto Balsemão acredita que “os algoritmos não têm legitimidade nenhuma”.