Na biografia das personalidades, ou até na história dos povos, há sempre
uma pequena nuvem que esconde um pormenor e que, mais cedo ou mais tarde, por
investigação mais cuidada ou testemunho oral, acaba por se revelar. Enquadra-se
neste pensamento Manuel António Ferreira, o conhecido “Patrão Lagoa”, patrão do
salva-vidas da Póvoa, um herói lendário, poveiro de rija têmpera que, escondido
dos olhares do mundo, lutou com todas as suas forças para que as entidades que
o endeusaram lhes indicassem um caminho seguro e oficial, capaz de lhe
proporcionar uma pensão decente. Um homem coberto de honrarias mas que as
dificuldades materiais o obrigavam a uma ginástica orçamental rigorosa. Um
pescador benemérito da humanidade cujo sonho era entrar nos quadros do pessoal
da Marinha como cabo-de-mar e que, mercê duma cega teia burocrática, nunca
chegou a concretizar, mesmo que pesasse a seu favor feitos de abnegação e
coragem e estivessem do seu lado, como protectores e grandes amigos, o seu
compadre Dr. David Alves, uma grande figura de homem público, António dos
Santos Graça, ao tempo Administrador do Concelho e deputado no Parlamento, o
Guarda-Marinha António Augusto Costa, Delegado Marítimo do porto da Póvoa.

Neste trabalho, procura-se descobrir o sonho encoberto
de um homem do mar que tinha na Marinha de Guerra a sua meta de vida, a fada
-madrinha da sua realização pessoal. A farda azul de cabo-de-mar era uma
obsessão; ingressar no Quadros da Marinha o seu maior objectivo. Embora os seus
feitos heróicos como patrão do salva-vidas “Cego do Maio” tivessem repercussão
nacional – com destaque para os salvamentos do cruzador “São Rafael” e do vapor
inglês
 
“Veronese” – o facto é que essas arrojadas façanhas de nada valeram. Disposições
legais travaram o acesso à categoria que almejava. É essa nuvem na vida do
herói que se procura destapar neste trabalho. Uma pequena achega para uma
desejada biografia dum grande herói poveiro nascido a 14 de Junho de 1866 na
Rua do Carvalhido (hoje Rua Serpa Pinto) e
 falecido a 7 de Julho de 1919 na Rua Paulet, nº 13
(hoje Rua Patrão Lagoa). Manuel António Ferreira era casado com Felisbina da
Conceição Ferreira, que lhe deu 22 filhos, considerada a maior prole poveira.