Ela, feminista e ativista a favor dos Direitos e Deveres Humanos (como explicaremos mais à frente), ele, escritor que se debruça sobre a política, tendo já vivido uma ditadura.

Loyola Brandão começou a conversa lendo um poema de Eduardo Alves da Costa:

Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

O escritor brasileiro afirmou sentir medo da atual situação política no seu país: “há cheiros que me são familiares”. De Jair Bolsonaro Loyola disse ser a pessoa mais despreparada para o cargo que conheceu em toda a sua vida e que instalou o que foi intitulado de “filhocracia”: sistema onde os seus três filhos, chamados de 01, 02 e 03, realmente tomam as decisões pelo Presidente da República.

“O Brasil está a viver um momento triste, primitivo, bárbaro, pré-histórico”. No seu recente trabalho, Desta terra nada vai sobrar, a não ser o vento que sopra sobre ela, Loyola Brandão vê paralelos entre o Brasil do futuro distópico e autoritário que criou, onde todos recebem tornozeleiras eletrónicas ao nascer e existem 1.800 partidos que se alternam no poder por meio de seguidos impeachments, e o presente momento do país. “Este novo livro passa-se no Brasil normalizado dentro da anormalidade. É uma metáfora, uma sátira, mas que pode ser também um retrato”, alertou o autor. “Nunca vi o país tão crispado. Estamos todos com medo de viver tempos ainda mais sombrios do que os da ditadura”, resumiu o escritor de Zero, censurado durante o regime militar.

Aos 82 anos, Loyola Brandão diz que não tem mais pressa: “descobri que a maior invenção da humanidade não é o telemóvel. É o corrimão de escada”.

Pilar del Río falou sobre a Carta dos Deveres Humanos, um documento que complementa a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela Assembleia-Geral das Nações Unidas. Assim, no seu primeiro artigo, declara que todas as pessoas têm “o dever de cumprir e exigir o cumprimento dos direitos” reconhecidos por essa Declaração.

A Carta está estruturada em 23 artigos que reúnem uma ampla gama de deveres para as pessoas, desde o de não discriminar até ao de respeitar a vida, passando por obrigações como o respeito da liberdade ideológica e religiosa e a participação nos assuntos públicos.

A iniciativa partiu originalmente do discurso que José Saramago proferiu ao receber o prémio Nobel da Literatura, quando instou a que os cidadãos, além de defenderem os seus direitos, reivindicassem os seus deveres. O escritor português recebeu o Nobel no ano em que se celebrava o 50º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos e decidiu que o seu discurso seria sobre esta temática.

A jornalista e tradutora dos livros de Saramago explicou que, ao procurar textos para integrar uma publicação de conferências por altura do 20º aniversário do Prémio Nobel, encontrou o sexto Caderno de Lanzarote. Saramago já havia declarado que viria a público o desfecho dos seus diários ilhéus. Mas o facto de ter sido divulgado na imprensa portuguesa e espanhola fez parecer que o livro já estava feito.

A obra Último Caderno de Lanzarote é o diário do autor durante o ano de celebração da produção literária lusófona.