Na sala principal do Teatro Garrett, a partir das 10h00 desta quarta-feira (20), os escritores Alfredo Pita, Carmen Posadas, José Manuel Fajardo, Luís Carlos Patraquim e Teolinda Gersão refletiram, sob moderação de Isabel Rio Novo, sobre mais um verso de Sophia de Mello Breyner pertencente ao poema “Com fúria e raiva”.

O peruano Alfredo Pita admitiu que gostou do poema de Sophia pela sua “lírica forte, energia e necessária violência”.

A propósito do verso contou uma história, um testemunho do seu próprio nascimento. Estando o parto a prolongar-se, a sua mãe em risco de morrer, a parteira ‘Mamã Maria’ chegou a casa dos seus pais quando o médico dizia ao pai para escolher entre a mãe e o filho, ordenando a ambos –  saiam daqui, hoje, ninguém vai morrer!

Já em adulto veio a conhecer a história do seu nascimento. Por entra vagas memórias a sua mãe contou-lhe que a ‘Mamã Maria’ dava ordens ao bebé, enquanto acariciava a mãe. Ou seja, foi acompanhando o nascimento de Alfredo Pita – reza a história que nasceu de olhos abertos – com palavras. Foram palavras que ditaram o seu destino como escritor, que fizeram dele um homem e que o orientaram para, um dia, vir ao Correntes contar a sua história…

Carmen Posadas, nasceu no Uruguai, e falou do poder das palavras, afinal, “só batizamos aqueles de quem gostamos”…

A escritora explicou que, para escrever o livro “A Filha de Cayetana”, teve que pesquisar sobre a escravatura na Europa e ficou a saber que as escravas neste continente, como sabiam que os filhos lhes seriam arrebatados pouco depois de nascerem, nem sequer lhes davam nome. O nome iria dar identidade ao bebé, algo que “seria mais difícil esquecerem”.

Para Carmen Posadas, “há palavras que constroem com o amor, mas também há palavras tão fortes, que destroem. Já dizia Otelo que há palavras que são como veneno”.

E acrescentou que as suas palavras favoritas são as que interrogam, pois são elas que estão “na origem da Ciência”, como o “porquê?” que terá dito Newton quando viu cair a maçã…

Também na Literatura as palavras estão na origem de todas as histórias que conhecemos, concluiu a autora.

José Manuel Fajardo nasceu em Granada, mas vive em Lisboa. O autor encara a palavra como a matéria-prima do seu trabalho e como fundadora e construtora da mente, da consciência do homem: “somos feitos de palavras, a palavra é a base da nossa identidade, a nossa memória é feita de palavras”.

Para Fajardo é inconcebível pensar uma sociedade sem palavras, “somos palavras partilhadas que caminham pelo mundo”…

Luís Carlos Patraquim nasceu há 65 anos em Lourenço Marques, Moçambique. Começou por recordar que nestas 20 edições do Correntes d’Escritas veio a cerca de 15, incluindo o primeiro encontro.

Ainda assim, sempre que se senta numa mesa de debate “sente um nervoso miudinho”, porque, confessou, “tenho medo das palavras”. O autor de “Manual para incendiários” afirmou que “os escritores são tão amantes das palavras e ao mesmo tempo têm medo delas, que escrevem sem ter nada para dizer”…

Patraquim considerou que algumas palavras isoladas – justiça, dignidade, soberania – “estão a deixar de ter significado” e, em particular em Moçambique, “a palavra está a ser conspurcada”.

A consagrada Teolinda Gersão teve o privilégio de conhecer, em vida, Sophia de Mello Breyner e com ela conversar, destacando como a poetiza era “inteira e transparente, uma pessoa que transmitia beleza”.

A autora do livro (escrito em Moçambique) “A árvore das Palavras” apresenta algumas preocupações com que se deparou ao ler recentemente o livro “O mundo da escrita” de um autor norte-americano: “ele refere o risco que corremos de sermos formatados, numa época em que os editores corrigem os nossos textos, para encontrar a maneira certa de chegar aos leitores. Mas onde fica a nossa criatividade e individualidade como autores? E onde fica a escrita como porto de abrigo?”

Todavia, Teolinda Gersão afirma-se com esperança de que “isso não vá acontecer, conto que o Homem e a Mulher realmente tenham alguma coisa a dizer e conto, principalmente, com as mulheres, que são as que mais têm sofrido neste desgraçado mundo e que mais têm contribuído para a mudança”.

E finalmente, a escritora portuguesa afirmou: “conto que iremos querer contar o que vivemos e não aceitaremos ser formatados. Não vamos soçobrar e a Literatura vai continuar a existir”. 

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