O último dia do Correntes d’Escritas começou, esta manhã, no Cine-Teatro Garrett, com a Mesa 9, perante uma sala lotada. “A Guerra” de Paula Rego foi a obra de arte que deu mote a esta sessão, moderada por João Gobern, e que contou com as comunicações de Clara Pinto Correia, Jorge Valdés Díaz-Vélez, José Carlos Barros, Ondjaki e Pedro Teixeira Neves.
Antes do debate, João Gobern, pediu à plateia um forte aplauso a Luís Diamantino, uma vez que esta é a última edição do evento que promove enquanto Vice-Presidente e Vereador da Cultura.
Coube a Pedro Teixeira Neves a primeira intervenção e revelou que Paulo Rego era, na sua opinião, figura cimeira nas artes plásticas, que teve o privilégio de entrevistar em 2002.
Sobre a guerra, considera que “vivemos no mais longo período de paz na Europa” sendo que a História da humanidade é uma história de guerra com intervalos de paz. Optou por apresentar a sua declaração de guerra, definindo-a como uma doença do homem. A guerra é de sempre. A história, infelizmente, repete-se no seu pior. Esteve sempre aí. Vivemos num mundo em que a morte deixou de ser surpresa e o seu grande abastecedor é a guerra. Como escritor, não me cansarei de lutar contra a náusea para a qual parecemos deixar-nos arrastar. Venhamos às Correntes para ler e ouvir e assim chegarmos mais longe enquanto seres humanos”, advertiu.
José Carlos Barros abordou a obra de Paula Rego interpretando os elementos visíveis no quadro que nos transmite para um conceito de guerra como algo do nosso quotidiano, que pode ser a escravidão, por exemplo. Às vezes esquecemos que a guerra não é só a que se passa nos campos de batalha. O autor escolheu referir-se a uma guerra que se fala pouco, e que começou nos anos 30, a guerra contra as aldeias – “a morte das aldeias” –, que considera “pouco inteligente”. Estamos a deixar o território para a desertificação e para os incêndios, constatou o autor, alertando para os riscos atuais que daí advêm.
Vindo do México, Jorge Valdés Díaz-Vélez começou a sua intervenção com um poema sobre o bombardeamento à cidade de Madrid, em 1937, referindo-se também às diferentes imagens dolorosas de destruição humana com que atualmente nos defrontamos, por exemplo, na Faixa de Gaza. As maiores vítimas destas guerras são as crianças, a esperança do futuro e património da humanidade, e por isso o escritor, poeta e diplomata defende que os governantes não devem ficar impunes às suas decisões e ações.
Clara Pinto Correia recuou a 1937, à “Guernica”, de Pablo Picasso, um ícone da Guerra Civil Espanhola. 1660 pessoas morreram neste bombardeamento e a aldeia praticamente desaparece. Ao contrário deste, “A Guerra” de Paula Rego ilustra uma guerra que faz muito pouco sentido. Em 2003, a artista cria este quadro com base numa fotografia da guerra do Iraque publicada no jornal The Guardian no mesmo ano. A guerra do Iraque é irracional, “toda a gente está em luta com toda a gente e já não se sabe o que cada um perde ou ganha”.
Ondjaki encerrou a Mesa deliciando o público com um texto sobre “uma palavra proibida, cheia de medos. Palavra proibida, cheia de dor. Uma criança está perdida. Somos todos cegos. Quase poucos dão as mãos a uma mão. Todos fogem do céu e das labaredas do fogo. Despedidas duras. Enquanto estivermos cegos com os outros e as crianças somos todos cegos. A lágrima da fome. A fome do horror de lembrar. O vazio é uma espécie de longa paz que ainda dói e anestesia. Não me restam coisas de imaginar, nem mesmo um futuro. Há neste nosso mundo, por agora, lágrimas de sangue. Palavra proibida e cheia de dor. Essa palavra hoje não a escrevo nem deixo solta. Que essa brandura troque as lágrimas de sangue por lágrimas de sal”.
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