Moderada por Patrícia Portela, a sessão contou com as comunicações de Álvaro Curia, Ana Cristina Silva, David Machado, Joana Kabuki, Rafael Gallo e Rodrigo Blanco Calderón.

Para Álvaro Curia, “O Jardim das Delícias Terrenas” de Bosh constitui “um ponto de partida semântico que desafia não apenas a interpretação iconográfica tradicional, mas que também suscita uma discussão sobre linearidade e perceção artística. Esta ideia serve de pressuposto a uma abordagem ao cenário enquanto palco e pode ser traduzida também em termos literários”. Assim, falou do jardim enquanto palco material da obra, constatando que o jardim é um cenário comum a vários romancistas e abordou alguns exemplos de variados autores.

O autor, jornalista, professor e historiador terminou com a leitura de um poema de Luísa Dacosta.

Deste tríptico de Bosh, Ana Cristina Silva escolheu falar do Inferno porque “as delícias prolongadas não propiciam bons romances” e focou a sua intervenção na Inteligência Artificial que, além de mudar o mundo em geral, irá afetar a indústria do livro.

Apesar de reconhecer que a Inteligência Artificial poderá contribuir para o desenvolvimento/ evolução nas mais diversas áreas, a psicóloga referiu que o seu verdadeiro problema é que “será difícil controlar uma ferramenta em que os próprios criadores não a dominam completamente. A Inteligência Artificial não é apenas uma nova ferramenta tecnológica, é um instrumento capaz de inventar coisas novas e, neste momento não está a ser verdadeiramente regulado. Estamos a entrar numa era em que se vai tornar omnipotente”.

David Machado confessou que lhe causa ansiedade, mas é incrível a sua participação no Correntes d’Escritas. O romancista contou uma história, partilhando memórias da sua infância vivida com os avós rodeado por elementos naturais, sendo o pátio o espaço de eleição. Centrou-se na figura da avó que “viveu sem medo do fim porque o que realmente queria era regressar ao início”.

Numa reflexão sobre a finitude referiu que “gostamos de pensar na eternidade”, mas ele “gosta que as coisas tenham fim. A beleza que existe no mundo torna-se mais evidente por causa da sua efemeridade. Uma história só é uma história porque termina. Todos os nossos gestos têm mais sentido porque um dia iremos morrer. Todos os prazeres são terrenos e na terra existe o amor e o tempo, a memória e a saudade”.

Joana Kabuki, estreante no evento, quis partilhar com o público que recebeu o convite com surpresa e depois apreensão e prosseguiu para a sua visão sobre a literatura: “os livros promovem o pensamento e o pensamento gera espírito crítico e uma perceção alargada da realidade”.

A escritora referiu-se à força da literatura: “mostrar o mundo como ele é, deixando que seja o leitor a avaliar o que faz ou não sentido para si. Aliás, se a literatura não tivesse uma força tão grande, nenhum livro seria banido”. Neste sentido, constatou que a censura começa a pouco e pouco a regressar aos países democráticos. Terminou, deixando um apelo: “aos leitores, como eu, procuremos sempre velhas e novas personagens para entendermos o mundo; aos escritores, como eu, que não calemos as nossas personagens”.

Rafael Gallo interpretou o quadro como a representação de um paraíso perdido, que mostra algo que nos deveria assustar e temer a nossa própria ruína, mas pelo contrário deliciamo-nos e desejamos essa ruína, o que revela a nossa miséria.

O escritor brasileiro transmitiu que “a empatia é difícil” e alertou para a necessidade de “desaprendizagem de atos discriminatórios como machismo, a xenofobia e os discursos que lhes dão força, naturalidade ou condescendência”, acrescentando que é preciso estar atento ao que se reaprende.

Terminou com Saramago: “se podes olhar, vê, se podes ver, repara”, advertindo “à reparação enquanto ato de reforma ou de compensação daquilo que está em falha e há muito que necessita ser reparado”.

O também estreante Rodrigo Blanco Calderón fez a sua abordagem do tríptico de Bosh com uma analogia a três momentos da história do seu país, Venezuela.

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