O arquiteto Ventura Terra foi recordado no passado sábado, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, pelo 150º aniversário do seu nascimento.
Sandra Araújo Amorim, investigadora e Diretora Pedagógica da Escola Profissional de Esposende, proferiu uma conferência sobre o arquiteto e a sua obra e Gisela Silva, professora e escritora, apresentou o seu livro Açor, o cão de Ventura Terra.
A comemoração contou com a presença do Vice-Presidente da Câmara Municipal, Luís Diamantino, e do Presidente da Assembleia Municipal, Afonso Pinhão Ferreira.
Sandra Araújo Amorim afirmou que Ventura Terra deixou uma vasta obra no campo da arquitetura e do urbanismo. Projetou palacetes (tendo-se destacado a tipologia da casa-torre) e prédios de rendimento, marcados pelo caráter cosmopolita, utilitário e racionalista. A sua obra foi notável no domínio dos equipamentos urbanos, como a primeira creche lisboeta, a Maternidade Dr. Alfredo da Costa, os liceus Pedro Nunes e Maria Amália Vaz de Carvalho, o edifício do Banco Totta & Açores, o Teatro Politeama, obras construídas na capital, o Mercado David Alves, na Póvoa de Varzim (obra atribuída), o Teatro-Club e o Hospital Valentim Ribeiro, ambos em Esposende, o Palace Hotel de Vidago, concluído após a sua morte. No domínio da arquitetura religiosa, projetou a Igreja de Santa Luzia, em Viana do Castelo e a Sinagoga de Lisboa. Do seu traço saíram igualmente obras escultóricas como o pedestal do monumento ao Marechal Saldanha e o projeto de monumento a Francisco de Almada e Mendonça, Eça de Queirós, Rocha Peixoto, Sacra Família e Gomes de Amorim, a erigir na Póvoa de Varzim. Na área do urbanismo, projetou o Parque Eduardo VII, em Lisboa, elaborou planos para a zona ribeirinha da capital e ainda o plano de urbanização do Funchal.
Quanto à sua marca na Póvoa de Varzim, Sandra Araújo Amorim lembrou que estão presentes na Póvoa de Varzim: no Mercado David Alves, na moradia da Av. Mouzinho de Albuquerque e no Projeto de monumento a Francisco de Almada e Mendonça, Eça de Queirós, Rocha Peixoto, Sacra Família e Gomes de Amorim (não construído). Na sua ligação ao norte de país, Ventura Terra deixa um vasto conjunto de obras no Porto, Póvoa, Esposende, Viana do Castelo e Seixas. O seu traço caraterístico afirma-se numa arquitetura utilitária, de monumentalidade contida, e numa abordagem pragmática e racionalista dos programas. Ventura Terra criou modelos práticos e objetivos, onde se privilegia a noção de função prática, e onde está bem patente a utilização dos novos materiais tão em voga nesse início de século. O arquiteto soube corresponder aos gostos e preocupações da sociedade dominante da época que, na Póvoa de Varzim, se fizeram ouvir pela voz do político David Alves, grande responsável e impulsionador do desenvolvimento urbanístico desta povoação balnear no arranque do século XX.
Além da obra de Ventura Terra, a investigadora explicou o seu percurso: nasceu em Seixas, Caminha, a 14 de Julho de 1866. Frequentou o curso de Arquitetura da Academia Portuense de Belas Artes entre os anos de 1881 e 1886. Nesse ano foi para Paris, como pensionista do Estado na classe de Arquitetura Civil. Estudou na École Nationale et Speciale des Beaux-Arts, onde alcançou o diploma de Arquiteto de 1ª classe do Governo Francês, e no ateliê de Victor Laloux. Regressou a Portugal em 1896, tendo ganho o concurso para a reconversão do edifício das Cortes na Câmara dos Deputados e Parlamento, em Lisboa. Foi um dos grandes responsáveis pela criação da Sociedade dos Arquitetos Portugueses, em atividade desde 1903, tendo sido o seu primeiro presidente. Republicano convicto, foi vereador da Câmara Municipal de Lisboa. Ganhou quatro vezes o Prémio Valmor de Arquitetura (1903, 1906, 1909 e 1911). Faleceu na cidade de Lisboa a 30 de abril de 1919.
Quanto a Açor, o cão de Ventura Terra, Gisela Silva afirmou que “nunca foi intenção desta historia querer tornar-se numa biografia. Pretendeu, sim, assumir pela escrita diferentes momentos da vida de Miguel Ventura Terra, revelando, pela magia da ficção, despida de qualquer pretensiosismo, uma personagem singular nos seus afazeres profissionais, embora comum na sua vivencia diária. Aventurar-se nas vivências de alguém, desvendar e revelar situações, emoções, amizades, amores, conversas, momentos, uns felizes, outros menos, e tantas outras coisas, exige um saber-fazer da escrita que ainda não conquistei inteiramente. Confesso que cismei alguns bons dias ate que me entrou em casa um cão maravilhoso, um ser incrivelmente fiel, de nome “Açor”, que me conquistou. Olhou para mim, desafiador, sacudiu-me as ideias, fez-se narrador e a historia aconteceu. Entrego-vo-la, pois, a partir de agora, deixou de ser minha. Açôr, o Cão de Ventura Terra e a história de um jovem apaixonado pela descoberta, que sempre pediu que o deixassem experimentar para aprender e poder concretizar os seus objetivos, demonstrando o seu talento e fascínio pela arquitetura. E também a historia de um homem fielmente acompanhado pelo seu cão, que lhe conheceu a vida e sentiu a dor indiscutível da sua morte”.
Gisela Silva afirmou que Miguel Ventura Terra é lembrado no livro pela sua preocupação em enobrecer a arquitetura urbana, tomando parte em questões sociais e culturais que a tornassem válida; pela voz que elevou para reforçar os seus ideais políticos; pelo partido que tomou em situações diversas que o referenciaram como um homem moderno, indiferente a veleidades e decidido a validar propósitos e pontos de vista capazes de edificarem a Pátria que desejou. Açôr, o Cão de Ventura Terra é ainda a intenção de recriar, de forma singela, alguns momentos da sociedade dos finais do seculo XIX e inícios do XX, chamando-se ao palco da ficção situações e personagens reais, bem como espaços familiares e sociais ainda existentes.