Cabeceira de Sepultura siglada
Séculos XIX / XX
76 x 24 cm
Col. MMPV, ET-93

Fazem parte do espólio do Museu, possivelmente desde a fundação do mesmo, em 1937, duas cabeceiras de sepultura, em lousa, recolhidas por António dos Santos Graça. Estas peças apresentam na face anterior inscrições alfabéticas com os dados identitários da/das pessoas inumadas e, no verso, têm a particularidade de apresentarem siglas poveiras gravadas.

Esta prática é descrita na obra do referido etnógrafo “Inscrições tumulares por siglas”, publicado em 1942, como um costume antigo que acompanhou a evolução dos elementos cemiteriais, mas que, à época, já não se aplicava. Considerando que não há qualquer registo do uso de siglas nas sepulturas das igrejas Matriz e da Misericórdia, a origem desta aplicação das marcas remete para o contexto do primeiro cemitério público da Póvoa de Varzim, inaugurado em 1866, no largo das Dores.

“As inscrições por siglas mais antigas que se conhecem nas sepulturas pòveiras eram gravadas em madeira em forma de lousa tumular ou cruzes colocadas à cabeceira da campa.

Veio, depois, o uso da lousa, por igual colocada à cabeceira da campa, e em muitas delas se manteve a sigla como única inscrição tumular. E naquelas em que era aposta a inscrição alfabética, a par desta era gravada a «marca» para conhecimento dos que não sabiam ler.

É tâo forte a tradição de gravar a «marca» do defunto na lousa tumular que ainda hoje se encontram em mais de setenta campas.“ (António dos Santos Graça, “Inscrições Tumulares por Siglas”, 1942, p. 58).

A utilização das siglas neste contexto, assim como acontecia na mesa da sacristia da Matriz Póvoa e em outros templos espalhados pela região, atesta que as marcas de pescadores não se limitavam à função de registo de propriedade. Um dos princípios base para garantir a eficácia do sistema de siglas era o de que não houvessem símbolos iguais. Ao serem únicos, estes assumiam-se como códigos de identificação individual, razão pela qual a sua colocação nas sepulturas permitia à comunidade piscatória, essencialmente analfabeta, reconhecer o local da última morada dos seus companheiros.

Em 1942 Santos Graça identificou 70 sepulturas do cemitério da Póvoa aonde ainda se assinalava a presença de siglas de pescadores. O estudo dos registos de enterramento ao longo do tempo permite-nos afirmar que, nessas 70 lousas, as marcas já não correspondem às pessoas dos últimos enterramentos, nesses locais. Tudo indica que estas são peças que se foram reaproveitando e saltando de sepultura em sepultura, conforme as necessidades das famílias proprietárias dessas mesmas pedras.

Fruto da crescente alfabetização, mas também das alterações ocorridas no mundo da pesca que levaram à anulação de grande parte da função das siglas, esta prática associada às sepulturas terá caído em desuso entre a primeira e segunda década do século XX.

DESCRIÇÃO DA PEÇA

Pedra inteira de ardósia de formato retangular sendo arredondada na parte superior, onde apresenta uma zona de encaixe (possivelmente uma cruz) com perda de fragmentos. No anverso apresenta uma base de pintura branca com decoração policromada no topo e duas inscrições sobrepostas, escritas a preto. Inscrição mais antiga – “Á MEMORIA DE / FRANCISCO BAPTISTA DOURADO / FALECIDO A 10 / DE JULHO DE 1916 / COM 58 ANOS D’IDADE / P.N.A.M.”. A inscrição mais recente – “Á MEMORIA DE ANA NOGUEIRA / DOURADO / FALECEU A 22-9-1932 / COM 16 ANOS D’IDADE / P.N.A.M. / RECORDAÇÃO DE SEUS PAIS / SAUDADES DE SUA / FAMILIA”. No verso tem gravada uma sigla de pescador representando uma calhorda com meio pique ao centro e dois piques cruzados.