Instalada num dos camarotes do Cine-Teatro Garrett durante um intervalo entre sessões, fui surpreendida por um menino pequeno que se debruçou do camarote ao lado e me interpelou:

– O que é que estás a escrever? És escritora?

– Não, sou jornalista. E estou a escrever uma crónica. E tu, vieste ouvir os escritores?

– Sim. Eu gosto de histórias e quero ser poeta quando for grande. A minha mãe acha mal, diz que escrever não dá para ganhar a vida e que os poetas são pobres, mas eu acho que eles não podem ser pobres se têm tantas palavras e, além disso, a minha professora uma vez disse que a poesia é para comer. Por isso, eles, pelo menos, não passam fome. A minha poesia vai saber a nestum e batatas fritas. É bom, não achas?

A mãe interveio:

– Ó António, deixa a senhora, que ela está a trabalhar!

– Mas eu estou a ter uma conversa interessante! E ela pode querer fazer-me uma entrevista, porque eu vou ser um grande poeta!

E a senhora, para mim, baixinho, depois de afastar o filho, dizendo-lhe que se sentasse na cadeira mais distante:

– Sabe, ele tem só seis anos, mas é sobredotado, aprendeu a ler aos três e, quando no ano passado foi para a pré-primária, a educadora de infância ficou pasma com o que ele sabia, e este ano puseram-no directamente no quarto ano. Os irmãos mais velhos não são nada assim, mas este encavalita-se-me nas estantes para chegar aos livros das prateleiras de cima e, depois, caem os livros e cai ele. Já lhe disse que não há ali nada para ele ler, mas  quando eu não dou por isso, ele volta lá, leva aquilo a que consegue deitar mão e esconde debaixo da cama. Estou feita com este miúdo! Os livros que lhe vou comprando, lê-os num instante, já lhe disse que tem de ler mais devagar, que assim não há dinheiro que chegue…

– Mãe, o que é que tu estás a dizer à jornalista? Diz-lhe coisas boas de miiim!

E depois, para mim:

– Olha, no ano passado, foi lá à escola aquele escritor que estuda os animais da água, sabes qual é? É um de África. Eu, quando for grande, quero ir a África. Ele foi lá falar com os alunos mais velhos, mas eu também queria ouvir as histórias dele e fugi da minha sala. Ele tem nome de gato, chama-se Mia. E eu pensava que os gatos não gostavam de água… Achas que ele estuda o comportamento dos gatos na água? Eu esqueci-me de estar calado para não me descobrirem e perguntei-lhe isso. Ele riu-se muito e depois não teve tempo de responder, porque a professora dos mais velhos me levou logo dali embora… Fiquei um bocado triste. Tu vais ficar aí mais tempo?

– Sim, vou assistir a esta sessão. Porquê?

– Ah, então, dá tempo para eu ir dar uma corridinha lá fora e voltar para te contar mais coisas?

– Ó António, tu não vais a lado nenhum, senta-te quieto, se fazes favor, e deixa a senhora!

– Oh… Se tu quisesses meeesmo que eu ficasse aqui quietinho, ias lá abaixo à feira do livro que está à porta do Teatro e compravas-me um livro!

– Está bem, anda lá, então…

– Não, tu é que vais, eu fico aqui. Traz-me um livro com muitas páginas e que não seja parvinho. Também pode ter alguns desenhos – de preferência, animais. Podem ser pinguins e também um ou outro dinossauro, mas só daqueles com asas.

A mãe abanou a cabeça, arqueando as sobrancelhas, e disse:

– Sim, senhor. É mais alguma coisa?

– Sim. Papel e caneta, para eu fazer um poema para a jornalista. Assim, ela nunca mais se esquece de mim.