Escrevo em Lisboa, mas o alimento para estas palavras veio da Póvoa de Varzim. No resguardo e rescaldo de uma última noite as palavras soltas evocam o homem que afirmou poder enlouquecer voluntariamente e uma ladainha próxima de uma oração feita «pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza…»

Sábado, 15h, Teatro Almeida Garrett à cunha. “Nada acaba no fim”, chama-se a última sessão deste périplo de emoções escritas, lidas, ditas. Livros. Mas «se não forem lidos, se não lhes acrescentarmos tempo, eles não existem», realça José Luís Peixoto. Por sua vez, Valter Hugo Mãe partilha algumas recomendações que lhe vão fazendo, com a frontalidade dos que encontram na palavra dada a melhor oferenda escolhida para acolher quem se dedica a reunir almas em torno de uma chama incolor. «Havia de escrever sobre as pessoas que dão nomes ao gado só para terem a ilusão de uma família». Seria a senhora que, com sinceridade, assim lhe falou, parente do senhor Alberto Caeiro? “Eu nunca guardei rebanhos,/ Mas é como se os guardasse./ Minha alma é como um pastor,/ Conhece o vento e o sol/ E anda pela mão das Estações/ A seguir e a olhar.»

Durante cinco dias, uma família efectiva e afectiva deambulou pela cidade onde nasceu Eça de Queiroz, resistindo à erosão do tempo e tatuando um nome colectivo profunda e dedicadamente na pele sensível que cobre o corpo das multidões agregadas pela partilha, porque, novamente nas palavras de José Luís Peixoto «escrever é inscrever».

Escrevo em Lisboa, mas sem os dias que passei na Póvoa de Varzim, nenhuma destas palavras existiria nem tão pouco teria nascido, visto serem a última golfada de uma onda enrolada pela poética desta “Aprendizagem balnear”, socorrendo-me agora do título de um livro, testemunho do poeta João Rios: «tomar o mar de abraço/ e rodar rodar rodar/ feito pião sem norte/ num vai e vem/ sem pé ou leme».

Dez anos volvidos sobre o início deste magnífico e já entranhado ritual de convívio e aprendizagem, lanço um olhar geral, amplo e abrangente à tribo de palavras que entre um hotel e um teatro traça uma geografia capaz de se mostrar perene, mesmo depois de qualquer onda mais afoita arrastar consigo a fragilidade de um castelo inocente ou uma paixão descuidada.

Por estes dias, li a palavra ubiquidade, metáfora de pensamentos vários, emoções divididas até, laços que teimam em mostrar-se fundamentais, como bem sabe quem a escreveu. As Correntes D’ Escritas de 2016 desaguaram. Escrevo em Lisboa, mas não estou apenas em Lisboa.