E quase todos estiveram de acordo que da rua e da vida que nela se passa sai, muitas vezes, a inspiração para a escrita e para a construção de um livro.

Cristina Norton, de origem argentina, confessa que foi de uma conversa que ouviu na mesa ao lado, num café, numa tarde em que saiu com umas amigas e em que a conversa dessas mesmas amigas não lhe interessava minimamente, que nasceu “O Afinador de Pianos”. Mas, como confessou, gostaria de ter podido subverter o tema da mesa e falar antes do livro na rua.

Também Júlio Moreira gostaria de poder ter pegado neste tema e de o abordar de forma textual, isto é, seguindo o sentido imediato da frase. Mas, ao invés, seguiu a via da provocação que encerra o tema e pegou na rua enquanto entidade que escreve os livros.

Recordou, então, Jorge Luís Borges, que conheceu pessoalmente, e o facto de este não ter tido experiência de rua, o que não significava que esta não aparecesse nos seus romances, de forma vivida e bem real. A rua, segundo Júlio Moreira, faz, então, o livro em dois sentidos: em directo e em diferido, como no caso de Borges.

Óscar Málaga Gallegos concorda, também, que a rua faz o livro. Peruano de nascimento, mas a viver em Pequim há mais de uma década, viajou até à China que ama para falar das antigas ruas, cheias de vida comunitária, de crianças, velhos e de gente que, simplesmente está à porta sentada. A rua que consolida o sentido de comunidade e o livro, que é o relato dessas comunidades que, a pouco e pouco, vão desaparecendo, à medida que as ruas se tornam, cada vez mais, num simples lugar de passagem.

Para Paulina Chiziane, é impossível não resistir à comparação das ruas do seu país com as ruas da Europa, sempre tão arrumadas e limpas, onde as pessoas passam sem se conhecer. “No meu país não é assim”, conta ela, “ir ao pão, que pode ser uma coisa rápida, pode tornar-se num percurso de mais de uma hora, porque sou parada pelos vizinhos, porque me saúdam e eu saúdo, paro para ouvir o que me querem contar…. há crianças a dançar na roda… e eu penso: que caos, que maravilhoso caos!”.

Com a sua magnífica capacidade de contar histórias, Paulina convence-nos de que, numa saída à rua, se pode materializar o nosso destino, porque, quem sabe, poderemos encontrar o amor da nossa vida, viver uma aventura que tudo vai transformar… e é da rua que lhe chega a inspiração para tanta coisa, como foi o caso de Niketche, uma história de poligamia, livro que conta ter nascido de uma discussão de rua, entre mulheres que disputavam um homem e a que assistiu, certo dia, perto da sua casa.

Susana Fortes, de origem galega, abordou a forma como o autor cria, escreve, é refém das personagens e das histórias que cria, vive permanentemente entre dois mundos: a realidade e o mundo do romance que surge na sua cabeça. Abordou essa grande proximidade entre a vida e a escrita e a forma como, por vezes, um livro nasce até de uma notícia de jornal, como foi o caso de Quattrocento” – aliás, ler este livro é passear pelas ruas de Florença, é perceber que, de facto, a rua está no livro.

Para Susana Fortes, o escritor tem essa capacidade de “sugar” a vida que vê na rua para os seus romances: “ver a cara de uma pessoa e dizer, quero-a para a minha história; ouvir uma conversa e apropriar-se dela para o seu livro”. Tal é a proximidade entre a vida que vai na rua, o autor e a obra que cria.