Apesar de ausente, José Jorge Letria também se tornou presente nesta mesa pelas palavras de Manuela Ribeiro que leu o seu texto intitulado “As linhas com que me escrevo” e no qual começa por dizer “sou os livros que escrevo”. O escritor confessou que “quando era criança tinha a mítica ilusão de que os escritores moravam dentro dos livros” do que se pode concluir que “quem escreve tenha duas vidas: uma nos livros, outra fora deles”. “Como já escrevi e publiquei muito, sinto-me às vezes um verdadeiro mestre de obras”, acrescentou. José Jorge Letria revelou ainda que “isto de escrever sempre foi e será um trabalho solitário, desamparado e esquivo. Quem escrever caminha só, de livro para livro, de silêncio para silêncio” e “quem escreve é a obra que faz, e a obra que faz é o permanente estado de interrogação em que vive”. Para o escritor, o verso de Pedro Tamen sintetiza o “conceito básico básico de salvaguarda do trabalho criador em geral” e afirmou, uma vez mais, “sou o que escrevo e o que quero escrever. Sou os livros que escrevo e o que de mim se guarda neles para falar de mim ao leitor. Sou, em suma, a obra que faço e chamo-lhe minha, porque sei que a habita o essencial do que sou”.

Para Álvaro Magalhães, estreante no Correntes d’Escritas, necessitamos dos mitos para dar vida ao homem e “a literatura é uma ilusão, logo, a sua função é iludir” e, assim sendo, “os escritores deviam considerar a sua inexistência”. O escritor foi unânime com José Jorge Letria afirmando que “sou os livros que escrevo”, acrescentando que “a obra é mais íntimo a nós do que nós”. Álvaro Magalhães terminou lendo um excerto da obra Borges e eu, de Jorge Luís Borges.

Outra estreia no evento é David Machado que abordou o verso de Pedro Tamen a partir de uma fábula de uma galinha imaginária que marcou o seu primeiro momento de criação literária que terá acontecido quando tinha dois anos. A partir da sua história, que aliás também está na origem do seu primeiro livro para crianças, David Machado usou a imagem da galinha para transmitir que “o livro é meu. Fui eu que o inventei e foi o leitor quem deu ao meu livro lugar na realidade. Há infinitas maneiras de se olhar para um livro. O livro existia e era meu mas foram os leitores que o guardaram na minha memória”.

Para Francisco Duarte Mangas, como as sementes, as palavras encerram a vida e a obra que escreve só é sua enquanto a escreve. O jornalista, poeta e ficcionista revelou a sensação de perda que sentiu quando publicou a sua obra Elefantezinho Verde, “quando escrevi o livro perdi um amigo que me acompanhava há longas jornadas” porque antes da publicação a história do elefantezinho “mudava de rumo sempre que a contava”.

João Manuel Ribeiro designou a sua participação a propósito do verso de Pedro Tamen como uma “quase declaração de interesses” e revelou que como filho de sapateiro sentiu-se também dentro d’O livro do sapateiro pela metafísica que este encerra, desejando “que o meu livro seja uma faca de sapateiro”. Tal como o sapateiro do poema de Tamen, o escritor também considera que “não trabalhar de encomenda é a reivindicação da obra perfeita. Parece que a obra encomendada não é minha. A minha obra é inteira e exclusivamente minha. Eu fecundo-a, eu gero-a e faço-a nascer, ninguém a pode ter. O processo gestacional da minha obra não pode ficar na cave escura”. Mas, João Manuel Ribeiro advertiu que “a obra que faço, sendo minha, não existe para mim. Torna-se distinta de mim e tenho que necessariamente distanciar-me dela como se fosse mais minha do que quando precisasse de estar fora de mim. Precisa que o outro reconheça a minha obra para que ela exista”. O escritor revelou ainda que “não há nada de mim na obra que faço”, se bem que a obra literária é a expressão de uma parcela da humanidade. Quanto ao papel do leitor perante a sua obra, João Manuel Ribeiro deseja que “seja crítico” e mais ainda, “quero que o meu leitor tenha fome, se delicie, ame, se zangue, sofra. Isso é obra feita, minha, do leitor, nossa”.

Vergílio Alberto Vieira, à semelhança do sapateiro e de João Manuel Ribeiro, também não trabalha de encomenda e quando a obra que produz tem de si. O escritor revelou ainda que “a obra que faço só é minha quando o peso da corcunda me faz sentir o peso de não ser ninguém e a obra só existe entre uma parte de mim e a parte que de mim ainda não faz parte”.