João Gobern falou um pouco das crónicas que fez – algumas delas compõem o Pano para Mangas –, e que abordam os mais variados temas desde política, cultura, como “de pequenas coisas que me iam acontecendo na vida. A própria realidade do país foi-me obrigando a mudar a maneira como olhava para as crónicas”, revelou.

“Foram quase sete anos de uma vida quotidiana, 1531 crónicas exclusivamente ditadas pela consciência e pela sensibilidade, nunca por uma qualquer agenda encomendada. Foi um período em que, se não nos limitarmos a contas de merceeiro, feitas ainda por cima em línguas estrangeiras, andámos de mal a pior. Por falta de homens bons, acompanhando uma escassez em que a Europa fica na cauda do mundo. Por ausência de ideias, excepto aquelas que foram apressadamente fixadas mas nunca se revelaram fixas nem sequer firmes, e pela redução ao mínimo da ideologia. Pela vitória do pragmatismo sobre os valores. Pela emergência dos tecnocratas e pela aceitação dos curtos horizontes dos gabinetes. Pelo excesso de palavras vãs e vazias, pela extinção da simples palavra de honra. Pelos ziguezagues, pelos receios, pelos compromissos e consensos que varreram muito do que havia de bom sem criarem alternativas verdadeiras nos sectores essenciais como a Educação (e a Cultura, convém não esquecer), a Saúde e a Justiça. Pela falta de participação cívica, política, ruidosa e teimosa – foram demasiadas as ocasiões em que perdemos por falta de comparência.

Foi um percurso que me valeu passar da observação à indignação, de espectador a militante, de cínico a voluntário, de indiferente a empenhado. Tentei, sempre, praticar o equilíbrio. Nunca me passou pela cabeça o esboçar da equidistância – não a creio útil a ninguém, nunca me foi sequer sugerida, não seria capaz de alinhar na legião dos cinzentos.

As cem crónicas que aí ficam têm um princípio e um fim, mais do que uma lógica e um percurso lineares. São apenas os meus sinais exteriores, diletantes ou supérfluos, irónicos ou inflamados. São um espelho razoável de alguém que se aflige mas continua obstinadamente a rir e a sonhar com algo de melhor, sobretudo para os mais velhos e para os mais novos, já que a geração em que nasceu, mesmo sem alinhar, tem cada vez menos desculpa”.

Sobre Wasteband de Patrícia Portela, Zeferino Coelho, da Caminho, esclareceu que aborda a relação entre o mundo real e virtual, fazendo uma crítica à realidade em que vivemos.

“Em oito minutos e meio Sergei Krikalev ultrapassa a atmosfera e perde a gravidade; Tânia senta-se à espera; o vizinho de Krikalev constrói uma ponte para chegar ao Espaço mantendo os pés assentes na Terra; a Lua cai numa praia cheia de sapos; a União Soviética desmorona-se; e José, deitado numa cama de hospital, conclui que o que lhe faz falta não são as pernas que perdeu mas as impressões digitais dela: pede um coração artificial e faz restart. Como está cientificamente provado que não nos podemos lembrar de mais do que sete coisas ao mesmo tempo, Tânia esquece José. Sergei Krikalev pensa em chorar mas não vale a pena: no Espaço as lágrimas não caiem, só causam chatices. E há oito minutos e meio atrás? O melhor é fazermos  rewind para avançar na história.

Somos uma sucessão de momentos vividos ao máximo e reduzidos ao mínimo”.

Acompanhe a par e passo o 15º Correntes d’Escritas, no portal municipal.