“Creio que as palavras não têm culpa. São inocentes. São as palavras que estão encerradas no crânio juntamente com os pensamentos e as sensações”, começou por dizer Hector Abad Faciolince. Palavras essas que podem escapar pela boca ou pela escrita. “O ser humano inventou outra porta para que as palavras escapassem do crânio, sem serem ouvidas. Esse invento foi a escrita. Porque há dois tipos de palavras, as sonoras e as palavras silenciosas, as que escrevemos. É como um sopro nos dedos, um rumor apenas perceptível na pena que desliza sobre o papel”. E é com estas palavras mudas que o escritor colombiano se sente mais à vontade, “cómodo, livre”. É que quando escreve, ninguém o interrompe ou critica, “não gaguejo, não titubeio”.

Inês Botelho acredita que “quer na fala quer na escrita o vocabulário restringe-nos”, sendo que a linguagem nos cerca praticamente “desde o útero, onde somos bombardeados pelos sons”. “A linguagem está em todo o lado, vai-nos moldando e penetrando”. Por outro lado, Inês Botelho defende que “há alturas em que os textos parecem exigir que os escreva”, as palavras rodeiam-na “ e sou eu a querer agarrá-las”. “As palavras são tantas que tendem a sair numa enxurrada violenta” e, por isso, a escritora depara-se com uma página em branco “sem saber como escrever a maldita primeira frase”. E se “culpar a linguagem é inútil” a verdade é que “as palavras são quase inevitáveis, mas preciosas e imensas. Afinal, podemos fazer tanto com as palavras que nos cercam”.

A catalã Imma Monsó escolheu falar do tema através da sua relação com a palavra, desenvolvida ao longo dos livros que já escreveu. Assim, atribui à Literatura a possibilidade de “entrar num mundo mágico de empatia com o outro, de entrar na mente de outra pessoa, viver a sua vida”. De certa forma, a palavra permite a evasão, a construção de alternativas. Permite também derrubar muros, “inovar continuamente”, construir personagens “que são vistas de forma distinta pelos leitores”. A palavra pode ainda “derrubar tabus”, funcionar como “terapia” e “redimensionar e pôr na medida justa os problemas pessoais”, este último conclusão a que chegou com o livro Um Homem de Palavra, nascido de um diário que escreveu após a morte súbita do seu companheiro. “As palavras são muros que nos cercam, mas que também derrubam e que nos transformam, nos alegram e nos entristecem”.

A José Carlos Barros a descoberta das palavras e da Literatura é indissociável da sua infância, “um lugar mágico”. Nascido num meio rural, no interior, “lugar onde o sobrenatural convivia com o quotidiano”, contou que os habitantes, mesmo analfabetos, sem escolaridade e sem livros, davam muita importância às palavras e aos livros. “Nos negócios diziam ‘Dou-te a minha palavra’” e respeitavam a palavra escrita que vinha nos livros dos “doutores”.  “A maneira como vejo a Literatura e como escrevo tem a ver com, por um lado, com esta ideia de mundo mágico, em que a Literatura permite a reconstrução de memórias e de criação de universos únicos, e, por outro lado com a importância da palavra”.

 “O tema é provocante, tem vários pontos de fuga. Podia falar, por exemplo, sobre a liberdade de expressão, mas se calhar iríamos ficar aqui até às três da tarde”. Por isso, Pedro Pinto, o último interveniente nesta 5ª mesa de debate, optou por identificar os diversos muros com que se deparou na escrita do seu romance estreia O Último Bandeirante. Escrever sem ter objectivamente uma ideia, lidar com o conflito de interesses por detrás da história de Raposo Tavares, o último bandeirante, equilibrar os momentos de angústia com os momentos de exaltação no processo criativo, imaginar os pormenores, os cenários foram apenas alguns das barreiras que o jornalista encontrou. “Mais do que cercarem, e pegando numa música dos Xutos & Pontapés, as palavras erguem escadas e partem muros”. Por isso, e concordando com Hector Abad Faciolince, Pedro Pinto defendeu “que a culpa não é das palavras, é dos muros que criamos às nossas próprias palavras”.