Póvoa de Varzim, 21.02.2014 - Uma das novidades do 15º Correntes d’Escritas é a iniciativa 2 à conversa que, ontem à noite, juntou Artur do Cruzeiro Seixas e Isaque Ferreira.
Na verdade, o diseur de poesia foi apontando caminhos e declamando poemas provocatórios ao Mestre Cruzeiro Seixas que, ao longo de uma prolongada conversa se foi revelando.
A partir de um poema da sua autoria sobre África, Cruzeiro Seixas mostrou-se um apaixonado pela vida, transmitindo que “amar a vida exige todas as coisas e mais algumas. A vida é extraordinária mesmo quando é infeliz e má”.
Apesar da sua partida para África ter sido um choque pela separação do seu amigo muito próximo, Mário Cesariny, “quando lá cheguei, apaixonei-me por África”, confessou, acrescentando que “mantive-me lá 14 anos e não pareceu demais”.
Para Cruzeiro Seixas, “a poesia é uma voz única que se exprime sempre de maneira forte” e, por isso, trouxe para a conversa poetas como Fernando Pessoa, José Régio e António Botto, recitando poemas da sua autoria.
E a propósito desta facilidade em associar poemas às conversas, contou que, juntamente com Mário Cesariny combinavam dizer poesia em jantares de sociedade, quando a conversa não lhes interessava.
Questionado por Isaque Ferreira se mantinha a opinião dada numa entrevista em 2005 de que era surrealista até à morte, Cruzeiro Seixas afirmou que sim, justificando que “o surrealismo vai-se adaptando à liberdade e a liberdade ao surrealismo”.
Convicto de que “precisamos de uma sociedade verdadeiramente nova”, Cruzeiro Seixas advertiu que “debaixo de uma pedra, não sabemos onde, há-de haver algo. As pessoas têm que estar despertas. Já não há tempo para esperar. Há tanta coisa bonita para fazer. Nós já não podemos perder mais”.
Assumindo que detesta designações, Cruzeiro Seixas confessou que “quando me chamam artista, é como se me dessem uma bofetada. O principal para mim é ser homem”.Dedicou especial atenção às formas de arte que contrariavam o estatuto de artista, estimulavam a arte não ligada a escolas ou movimentos artísticos numa valorização do trabalho feito por pessoas desprovidas de formação artística, que considerava como puras.
“Toda a minha vida deixei roubar os meus desenhos”, contou, “tal como os filhos, deixava-os ir à vida”. Uma atitude que reconhece “diferente e única e isso também dá uma certa satisfação”, assumiu, transmitindo que “há coisas mais importantes do que o dinheiro”.
“Eu nunca tive ateliê”, revelou Cruzeiro Seixas, contando que fazia a sua obra dentro das gavetas das secretárias dos sítios onde trabalhava. “Era péssimo funcionário. Mas os colegas faziam o meu trabalho para eu poder desenhar”, partilhou.
E em torno de poesia se construiu uma interessante conversa sobre a um homem de 92 anos que se destaca pelo que pintou e escreveu ao longo da vida.
A noite continuou e terminou com leituras de poesia por Isaque Ferreira, Cruzeiro Seixas, Antonio Gamoneda, João Rios, Aurelino Costa, Filipa Leal, Inês Fonseca Santos, Margarida Ferreira e Uberto Stabile.
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