Esta é a madrugada que eu esperava reuniu, sob a moderação de Maria Flor Pedroso, Daniel Jonas, Milton Hatoum, Rodrigo Guedes de Carvalho, Mário Cláudio e Onésimo Teotónio Almeida.

Daniel Jonas afirmou que “alguns versos podem tornar-se quase provérbios. Ficam nas nossas cabeças como frases sublinhadas. A poesia tem que sofrer um esquartejamento e o que fica são lições”. Essas frases, segundo o escritor, são depois usadas em atos importantes e solenes, muitas vezes por pessoas pouco familiarizadas com a poesia. E o mote desta Mesa 12 é um desses versos, escrito por Sophia de Mello Breyner (tal como todos os versos que deram tema às Mesas desta 20ª edição), que se tornaram provérbios.

Milton Hatoum agradeceu o acolhimento afetivo dos poveiros, “algo que não está na moda no meu país”. O autor brasileiro analisou as confluências entre Sophia de Mello Breyner e João Cabral de Melo Neto, seu conterrâneo. Conheceram-se em Sevilha e a amizade ali iniciada durou mais de 40 anos, uma admiração mútua ligadas por uma poesia de resistência, de denúncia das injustiças e opressões dos governos.

Rodrigo Guedes de Carvalho desabafou: “estou farto de conversas sobre competição e idade na literatura. Os rankings são para os tenistas, não para os escritores”. E exemplificou: Hélia Correia, acerca da poesia de Sophia, disse ontem que era intocável; que nós, comuns mortais, não deveríamos profanar a sua obra com as nossas teorias (leia sobre esta Mesa aqui). Mas, segundo o escritor, “os motes não são para testar os intervenientes. “A Hélia transformou a Sophia numa espécie de número um e esse é o meu problema: os escritores entrarem em corridas. A competição e a literatura são como a água e o azeite e não percebo como não vêm como isso nos vulgariza. A competição, parecendo elevá-la, só prejudica a literatura”.

Rodrigo Guedes de Carvalho afirmou ter nascido universal: “penso cada vez mais em planeta e menos em país. Penso num só planeta e numa só raça e pouco me importam as suas cores e particularidades”. E acrescentou: “no meu caso, penso ainda nos seres que não são humanos e que habitam esta Terra” (o jornalista é um acérrimo defensor dos direitos dos animais).

Sobre idade, Rodrigo Guedes de Carvalho afirmou recusar-se a ter uma: “estar vivo neste tempo é a minha idade. Estou a viver no tempo do Mário Cláudio e do Onésimo mas também do bebé que acabou de nascer”.

“A madrugada que eu esperava é uma literatura sem competição e sem idade. É uma utopia mas, o que é que querem? Sou escritor”.

Mário Cláudio começou por concordar em absoluto com o jornalista e afirmou deparar-se, nas redes sociais, com “muitos concursos de beleza literária, uma exposição narcísica de escritores de todas as idades”.

O escritor questionou a presença de poucos jovens entre o público do Correntes d’Escritas quando há tantos escritores jovens a participar no Encontro.

Mário Cláudio abordou as várias fases do sono e perguntou se “o sonho é menos real do que este momento que estamos a viver? Ou será que este momento não será um sonho?” Quanto à madrugada, o escritor disse não saber o que Sophia esperava, “talvez o que todos esperamos: a ressurreição”.

Onésimo Teotónio Almeida começou por dizer que, há 20 anos, na 1ª edição do Correntes d’Escritas, “não imaginava que esse encontrinho se tornaria este encontrão”. Sobre Sophia de Mello Breyner contou que apenas esteve com ela uma vez, em 1989. Muito antes disso, quando trabalhava com José Carlos Vasconcelos no Jornal de Letras e o percebeu ao telefone com a poeta, pediu que ele lhe transmitisse a sua admiração por ela e o facto de já ter lido toda a sua obra. “Mas esse era um tempo diferente, quando os jovens como eu sonhavam com utopias, alimentadas pelo que líamos. Formámo-nos na crença do progresso mas o futuro já não é o que era e não era esta a madrugada que eu esperava.” O escritor desabafou: “muita gente da minha geração deixou de usar valores que prometeu usar para sempre”.

Revelando-se chateado com a atualidade, Onésimo reiterou que os últimos dois anos, sob a presidência de Trump, foram inacreditáveis e assim serão os próximos dois até ao final do mandato. E ainda vaticinou: “a procissão ainda vai no adro. Estão a aparecer imitações por todo o mundo”. Onésimo está chateado e afirmou que “isto não passa com uns copos, até porque bebo para afogar as mágoas mas as minhas mágoas sabem nadar”, Onésimo afirmou, no entanto, acreditar na liberdade, “até porque não tenho outra hipótese mas esta não é a madrugada que eu esperava.”.

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