1. – No Limite da Sustentabilidade

É comum dizer-se que as Cidades estão a desumanizar-se (crescimento incontrolado, má qualidade do ar, penoso sistema de transportes, escassez de áreas verdes, exclusão social crescente), estão a envelhecer (designadamente, nos seus centros, onde à azáfama diurna do bulício dos escritórios sucede o silêncio mortal da noite) e estão a engordar (dormindo em subúrbios de desordenada concentração, de onde partem, todas as manhãs, os milhares que vão engarrafar as auto-estradas, deixando o vazio diurno onde crianças desenraizadas e ociosas aprenderão marginalidades de toda a espécie).

É, portanto, forçoso concluir-se que as cidades atingiram o limite da sua sustentabilidade, pelo que é imperioso questionar toda a problemática da sua gestão. Até porque conforme números recentes do INE, Portugal não escapou ao fenómeno, presente em todo o mundo da urbanização da população: em 20 anos (1980-2000) a população urbana passou, entre nós, de 2,6 para 6,3 milhões (ou seja, de 29% para 63% do total da população).

E essa tendência vai acentuar-se: serão 68% os portugueses que, em 2015, viverão em grandes aglomerados urbanos – embora então sejamos (prevê o INE) menos que em 2000, o que significa que se acentuará o envelhecimento da população.
Se, como se impõe, considerarmos em paralelo a desertificação do mundo rural (que, no período de 1980 a 2000, teve uma média negativa de crescimento da ordem dos 3,3% ao ano), concluiremos que estamos perante um problema geral de ordenamento do território – e isto num tempo em que os instrumentos de planeamento estão, desde há muito, no topo das preocupações das administrações central e local.

Poderia ser este, de resto, um bom ponto de partida para um debate incómodo: como foi possível que este País, dotado pela primeira vez de PDM’s para a totalidade do território nacional, consentisse tão chocante e grosseira degradação da sua paisagem urbana e rural?; ou, de outro modo: qual a eficácia do planeamento? (Agora, além dos PDM’s, muitos municípios têm Planos de Urbanização, Planos de Pormenor para alguns locais, e até, um ou outro, Planos Estratégicos – o que significa que o prosseguimento da saga do desordenamento, que se adivinha num país que decretou urbanizável território para 50 milhões de habitantes, apenas vai evidenciar a falta de rigor e orientação estratégica de quem gere o território municipal, que interpretará os planos conforme der jeito aos interesses dominantes.

É, portanto, forçoso concluir-se que as cidades atingiram o limite da sua sustentabilidade, pelo que é imperioso questionar toda a problemática da sua gestão. Até porque conforme números recentes do INE, Portugal não escapou ao fenómeno, presente em todo o mundo da urbanização da população: em 20 anos (1980-2000) a população urbana passou, entre nós, de 2,6 para 6,3 milhões (ou seja, de 29% para 63% do total da população).

E essa tendência vai acentuar-se: serão 68% os portugueses que, em 2015, viverão em grandes aglomerados urbanos – embora então sejamos (prevê o INE) menos que em 2000, o que significa que se acentuará o envelhecimento da população.
Se, como se impõe, considerarmos em paralelo a desertificação do mundo rural (que, no período de 1980 a 2000, teve uma média negativa de crescimento da ordem dos 3,3% ao ano), concluiremos que estamos perante um problema geral de ordenamento do território – e isto num tempo em que os instrumentos de planeamento estão, desde há muito, no topo das preocupações das administrações central e local.

Poderia ser este, de resto, um bom ponto de partida para um debate incómodo: como foi possível que este País, dotado pela primeira vez de PDM’s para a totalidade do território nacional, consentisse tão chocante e grosseira degradação da sua paisagem urbana e rural?; ou, de outro modo: qual a eficácia do planeamento? (Agora, além dos PDM’s, muitos municípios têm Planos de Urbanização, Planos de Pormenor para alguns locais, e até, um ou outro, Planos Estratégicos – o que significa que o prosseguimento da saga do desordenamento, que se adivinha num país que decretou urbanizável território para 50 milhões de habitantes, apenas vai evidenciar a falta de rigor e orientação estratégica de quem gere o território municipal, que interpretará os planos conforme der jeito aos interesses dominantes.

2. Liderança, Vocação, Projecto
É que a cidade, a mais notável construção do engenho humano e tema de apaixonado debate ao longo de muitos séculos, é sobretudo expressão de quem a lidera, muito mais de que mera reprodução mecânica de planos. (O exemplo de Rudolph Giuliani em Nova Iorque é, a este título, absolutamente revelador de que são as ideias que verdadeiramente conquistam as pessoas, muitas vezes, como foi o caso, perante a inicial oposição da comunicação social, que só perante a evidência se rendeu).

Pelo que a primeira questão que o cidadão deve colocar-se é, pois, esta: quem é, (como é) o líder da minha cidade?; que perfil (cultural, psicológico, social – ou seja, político) exijo para o líder da minha cidade? É que ao líder pede-se que seja optimista, que seja capaz de apontar o caminho e de reunir em torno de si os concidadãos rumo ao grande desígnio da sua missão, que se rodeie dos melhores e com eles discuta e decida, que esteja sempre preparado (e prepare os sus concidadãos) para o pior.

A segunda questão (que, colocando-se ao líder da cidade, se coloca à cidade no seu todo) é esta: para que serve a cidade? (Ou seja: qual a sua vocação – aquilo em que ela, sendo diferente das demais, pode ser melhor que elas e, portanto, mais capaz de atrair capitais, tecnologias, informação, pessoas?)
Num país crescentemente urbanizado, onde as Cidades serão (a par do Turismo) o principal pilar de desenvolvimento, a cidade que não encontre uma vocação e a desenvolva até à especialização não tem hipóteses de sair vencedora na competição entre cidades que se desenha como uma das características económicas dominantes do séc. XXI.

A terceira questão, decorrente da anterior, é a definição do projecto que concretiza a vocação da cidade. Na Póvoa de Varzim (que é, desde meados do séc. XIX, a estância balnear do norte e, por arrastamento de uma sedução regional crescente, terra de comércio e serviços) sintetizámos esse projecto na fórmula CIDADE DA CULTURA E DO LAZER. E, se havia um claro suporte histórico para esta fórmula, o que entretanto fizemos mais a reforçou e lhe deu conteúdo: a qualificação da cidade (mais verde, mais do peão, mais humana) e do seu comércio tradicional, o seu apetrechamento como terra de acolhimento (designadamente, de congressos), a sua especialização na fileira do turismo desportivo (objectivo que se materializou na construção da mais ampla e tecnicamente qualificada rede de equipamentos desportivos que alguma cidade do norte possui: Marina, Campo de Tiro, Piscina Olímpica, Campo de Golfe, Pavilhão Desportivo, Praça de Touros, Estádio Municipal/Cidade Desportiva…) – enfim, tudo isso dá à Cidade um ambiente de animação e de festa ao longo de todo o ano, com reflexos crescentes na economia local.

Creio poder dizer, com legítima vaidade, que a Póvoa de Varzim é um bom exemplo de como uma liderança determinada consegue concretizar o projecto de reencontro e reforço da vocação da Cidade, transformando por completo a sua imagem – como veremos pelo confronto entre o que era a Póvoa de 1993 e o que entretanto ela se foi fazendo…

Pelo que a primeira questão que o cidadão deve colocar-se é, pois, esta: quem é, (como é) o líder da minha cidade?; que perfil (cultural, psicológico, social – ou seja, político) exijo para o líder da minha cidade? É que ao líder pede-se que seja optimista, que seja capaz de apontar o caminho e de reunir em torno de si os concidadãos rumo ao grande desígnio da sua missão, que se rodeie dos melhores e com eles discuta e decida, que esteja sempre preparado (e prepare os sus concidadãos) para o pior.

A segunda questão (que, colocando-se ao líder da cidade, se coloca à cidade no seu todo) é esta: para que serve a cidade? (Ou seja: qual a sua vocação – aquilo em que ela, sendo diferente das demais, pode ser melhor que elas e, portanto, mais capaz de atrair capitais, tecnologias, informação, pessoas?)
Num país crescentemente urbanizado, onde as Cidades serão (a par do Turismo) o principal pilar de desenvolvimento, a cidade que não encontre uma vocação e a desenvolva até à especialização não tem hipóteses de sair vencedora na competição entre cidades que se desenha como uma das características económicas dominantes do séc. XXI.

A terceira questão, decorrente da anterior, é a definição do projecto que concretiza a vocação da cidade. Na Póvoa de Varzim (que é, desde meados do séc. XIX, a estância balnear do norte e, por arrastamento de uma sedução regional crescente, terra de comércio e serviços) sintetizámos esse projecto na fórmula CIDADE DA CULTURA E DO LAZER. E, se havia um claro suporte histórico para esta fórmula, o que entretanto fizemos mais a reforçou e lhe deu conteúdo: a qualificação da cidade (mais verde, mais do peão, mais humana) e do seu comércio tradicional, o seu apetrechamento como terra de acolhimento (designadamente, de congressos), a sua especialização na fileira do turismo desportivo (objectivo que se materializou na construção da mais ampla e tecnicamente qualificada rede de equipamentos desportivos que alguma cidade do norte possui: Marina, Campo de Tiro, Piscina Olímpica, Campo de Golfe, Pavilhão Desportivo, Praça de Touros, Estádio Municipal/Cidade Desportiva…) – enfim, tudo isso dá à Cidade um ambiente de animação e de festa ao longo de todo o ano, com reflexos crescentes na economia local.

Creio poder dizer, com legítima vaidade, que a Póvoa de Varzim é um bom exemplo de como uma liderança determinada consegue concretizar o projecto de reencontro e reforço da vocação da Cidade, transformando por completo a sua imagem – como veremos pelo confronto entre o que era a Póvoa de 1993 e o que entretanto ela se foi fazendo…

3. Estudo de Caso

3.1. Póvoa de Varzim – 1993

É inquestionável que a Póvoa de Varzim – que a crescente procura dos banhos de mar fez evoluir de uma pacata Vila de pescadores para uma Cidade provincianamente cosmopolita, assim justificando o nascimento e a consolidação do comércio, dos serviços e do turismo como actividades económicas predominantes – conheceu desde finais da década de 70 e ao longo de toda a década seguinte um explosivo e caótico processo de crescimento urbanístico, que teve como suporte a subordinação do poder político ao poder económico e como consequências

a) o desenfrear da especulação imobiliária (ao nível do preço dos solos e da construção urbana) – processo que pôde crescer em especial durante anos porque os agentes tinham a cobertura municipal, que sempre garantia a possibilidade de acrescentar construção, rendibilizando o negócio, e

b) o “exílio” dos residentes tradicionais, entre eles, os emblemáticos pescadores, que, não resistindo à sedução da gorda oferta (nuns casos) ou não podendo atingir o valor requerido para compra (noutras situações), se fixaram num espaço então livre a sul da cidade – a zona das Caxinas/Poça da Barca, cuja rápida urbanização hoje liga as duas cidades, até então separadas por esse disponível território, aparente terra de ninguém…

E a descaracterização da cidade, quer ao nível cultural (porque viu fugir parte da população nativa e recebeu uma vasta legião de não-poveiros) quer ao nível urbanístico (a desregrada construção em altura, que valeu à Póvoa de Varzim o epíteto de “cidade paliteira”, a ocupação excessiva dos solos, o sacrifício das áreas verdes, a inexistência de espaços públicos e correlativos equipamentos de descompressão e de lazer e, ao invés, o endeusamento do automóvel, a destruição do escasso património cultural construído, mesmo que classificado) tudo isso tornou crescentemente evidente a ruptura deste modelo de gestão urbana: a Póvoa de Varzim, que crescera como poucas terras em Portugal, não se desenvolvera.
E este modelo gerou a sua auto-rejeição: os apartamentos e as lojas, que todos os anos se construíam às centenas, deixaram de ter procura – porque os tradicionais compradores (vindos do interior do Minho, mais acentuadamente do Vale do Ave), começaram a procurar outros locais, a norte e a sul do concelho, onde não eram visíveis desmandos semelhantes aos da Póvoa de Varzim.

A cidade perdeu população; esta perdeu poder de compra; não tinham conta os estabelecimentos comerciais que, desvanecendo-se a miragem da terra prometida, fechavam portas, gerando desemprego; assistiu-se a um surto de delinquência e criminalidade.

A cidade, que perdeu importância e prestígio na região, acabava de experimentar, talvez como nenhuma outra terra no Norte de Portugal, a falência de um modelo de crescimento toscamente suportado no sôfrego aproveitamento da inexistência de uma cultura de cidade.

É justo referir que foram raras e tímidas as iniciais manifestações de protesto contra a poderosa desordem instalada – como é necessário referir que este modelo, ao fim de uma década, era já alvo de forte contestação (evidenciando, por isso, crescentes fracturas no interior das forças que politicamente o suportavam).
Não estranhou, por isso, que a divisão dos principais actores políticos ao serviço dos interesses do sistema tenha constituído o seu extertor, prenunciando a morte que ocorreu em Dezembro de 1993, com as eleições que conduziram à Câmara Municipal um projecto de ruptura e de mudança, assente na convicção de que era possível trazer uma vida nova à Póvoa de Varzim.

Como veremos a seguir.

3.2 – 1994 – A PÓVOA DE VARZIM AO REENCONTRO DE SI MESMA ou a Ecologia Social e Urbana na base do projecto de reabilitação

Era evidente, em 1994, que o modelo de gestão política que gerara o caos urbanístico e as suas múltiplas manifestações – arquitectura terceiro-mundista, trânsito a mais, más acessibilidades e, coroando tudo, a recessão económica da cidade, comprovativa da insustentabilidade desse modelo – teria de ser substituído por um outro que, direccionado para a qualidade de vida da população, fosse gerador de saúde urbana e de competitividade económica.

A nova Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, ciente de que era necessário que os cidadãos mudassem mentalidades e comportamentos, sabia que teria de tomar ela mesma, antes de mais e para dar o exemplo, medidas institucionais ao nível do planeamento territorial e urbano, sem o que não venceria o mau ambiente resultante da deficiente qualidade dos espaços públicos (ao nível da circulação de pessoas e viaturas) e designadamente nos edifícios de habitação social. O Plano Director Municipal, ainda inexistente, o Plano Geral de Urbanização, os Planos de Pormenor (para os locais de maior pressão urbanística) eram instrumentos fundamentais (por isso, urgentes) quer para o planeamento da cidade, quer para a sua gestão prática.

A cidade, cinzenta, pedia mais zonas verdes e melhor tratamento das existentes – e pedia, sobretudo, que se avançasse com determinação para a construção de um Parque Urbano cuja amplitude e diversidade de oferta nos domínios do lazer e do recreio fossem o adequado antídoto para as doenças de poluição ambiental.

A cidade, comprimida, pedia o alargamento das áreas reservadas a peões, integradas numa política coerente de qualificação dos espaços públicos urbanos – entre estes, e antes de mais, os da marginal urbana.

A cidade, uma das mais sujas do País, reclamava a elaboração de um plano integrado de gestão de resíduos sólidos urbanos – e, concomitantemente, a eliminação do cancro ambiental que era a lixeira de Laúndos.

A cidade, cuja descaracterização sacrificara boa parte do escasso património cultural edificado, solicitava a reabilitação urbana do seu centro histórico e comercial tradicional e das áreas socialmente mais degradadas.

A cidade, abastecida de água a partir de captações na fase terminal do poluidíssimo Rio Ave, bradava por água que não sujasse os corpos e não obrigasse ao consumo diário de águas engarrafadas.

A cidade, não totalmente servida por uma rede de saneamento envelhecida, e preocupada com a descarga directa dos efluentes na orla costeira, clamava pela revisão e alargamento da rede de esgotos com a consequente qualificação ambiental das praias e da salubridade das suas águas.

A cidade, sacrificada ao automóvel e por isso também atmosfericamente poluída, exigia restrições à circulação motorizada nas zonas mais habitadas, menos ruído, mais liberdade para a circulação pedonal…

A cidade, cujo amplo tecido comercial, outrora forte, penava os desmandos que afugentaram a clientela, sentia que só a qualificação dos espaços públicos permitiria o retorno desta e a reanimação comercial das lojas, necessária à sua modernização em ordem à competitividade.

A cidade, cujo carácter microcósmico (resultante da sedução que há muito exercia sobre vastas terras interiores) a convertera em terra de serviços à escala regional, suspirava pelo retorno aos dias felizes que, convertendo a sua praia na grande estância balnear do norte, fizeram o Casino, construíram hotéis, o Centro Hípico, a Praça de Touros, restaurantes de referência, uma singular animação nocturna a que não resistiram grandes figuras das artes e das letras…

A cidade (que se fez, cresceu e sobreviveu como espaço de um característico cosmopolitismo provinciano) sentia que era apenas a cabeça urbana e litoral de um corpo de feição rural e interior, do qual não podia afastar-se, tornando rígidas as fronteiras entre o urbano e o rural ou nítida a clivagem entre o litoral e o interior, pelo que clamava por uma perspectiva de gestão global do concelho, à margem das tradicionais dicotomias que habitualmente geram a urbanização da população, agravando os problemas daqueles grupos que, pelas suas características, estão mais expostos a situações de pobreza e de exclusão social: os idosos, os assalariados de baixo nível de remuneração, os trabalhadores precários, as minorias étnicas, os desempregados, os jovens de baixas qualificações à espera do 1º emprego….

Para esta cidade, cujas doenças aqui vão sucintamente diagnosticadas, foi prescrita uma terapêutica que, considerada a quantidade, a dimensão e a profundidade dos males a tratar, teria de considerar e incorporar os contributos de todas as valências da ecologia social e urbana.
É que a Cidade, cujas doenças a prostraram numa visível abulia, tinha potencialidades latentes, que era urgente despertar – e que, todas consideradas, foram traduzidas na fórmula que sintetizou o objectivo estratégico mobilizador: apostar decididamente na cultura e no lazer como factores de desenvolvimento harmonioso da Cidade. (E quando dizemos Cidade fazemo-lo na perspectiva mais ampla: enquanto cabeça de um corpo a considerar no seu todo).

De facto,
qualificando e humanizando o ambiente urbano, em toda a Cidade e não só na orla costeira, a Póvoa de Varzim há-de ser (estávamos em 94 – convém lembrar…), como noutros tempos, a grande estância balnear do norte e a Sede de um concelho que oferece outros motivos de interesse na área do turismo cultural;

qualificando e diversificando o comércio que possui – o pequeno, mais familiar, e o grande, mais festivo – a Póvoa de Varzim será (repito: estávamos em 94…) não só local de visita mas também local de compras;

concluindo os lanços do I.C.1 para sul (até ao aeroporto) e para norte (até Viana), construindo a auto-estrada de ligação a Famalicão (e ao Vale do Ave) e a Marina – em 94 faltava tudo, hoje já só falta a auto-estrada, que se anuncia para 2004- a Póvoa de Varzim ficará dotada de boa acessibilidade terrestre, marítima e aérea, a um passo do Porto e de Viana, a dois de Vigo e de Braga e cada vez mais ligada ao interior minhoto e ao Vale do Ave que, desde sempre, fizeram da Póvoa a sua segunda Terra;

com a Marina, o Campo de Golfe, o Campo de Tiro, a Piscina Olímpica (e outras Piscinas), o Pavilhão Municipal (e outros Pavilhões) e a Academia de Ténis, a Póvoa de Varzim ficará dotada (hoje dizemos: a Póvoa de Varzim está dotada) de um conjunto de estruturas desportivas único na região, capaz de atrair à Cidade as melhores competições nacionais e internacionais daquelas modalidades, estágios de selecções nacionais e estrangeiras;

com estas estruturas desportivas, o Casino e as unidades hoteleiras sediadas na Cidade e no concelho, a Póvoa de Varzim tem uma oferta de animação e de alojamento única na região;

com o Varzim Sport Clube na 1ª Divisão Nacional (objectivo que em 94 era sonho, 3 anos depois foi realidade, como hoje) o Futebol projecta o nome da Cidade e contribui para a sua animação e para a revitalização da sua hotelaria e do seu comércio;

com a institucionalização de uma Agenda Cultural que oferece eventos de qualidade em número crescente, para satisfação das clientelas específicas que já têm a Póvoa de Varzim como ponto de referência,

com o apoio a um tecido económico diverso, que se estende pela pesca artesanal, pela agricultura, pela pequena indústria, por uma grande variedade de serviços – actividades económicas que, complementando-se, garantem um concelho quase sem desemprego e uma poderosa almofada contra as crises sociais que geram a insegurança, a delinquência e a criminalidade, com tudo isto – dizia o projecto político do Município em 1994… – a Póvoa de Varzim tem, efectivamente, condições únicas para concretizar essa opção – verdadeiramente estratégica – na Cultura e no Lazer como pilares de desenvolvimento sustentado.

4. Políticas Nucleares da Gestão Urbana

Se a gestão urbana é a concretização diária de um vasto e integrado conjunto de políticas sectoriais (necessidades básicas água, resíduos, urbanismo e ordenamento do território, requalificação urbana, acessibilidades, equipamentos, coesão territorial, integração regional, acção social, promoção de eventos de referência), há algumas que considero nucleares no contexto de uma gestão sustentada do território municipal.

41. – Os Centros

Citarei, antes de mais, a necessidade da reabilitação dos centros urbanos – outrora aglomerados de pessoas, hoje progressivamente aglomerados de serviços que à noite ficam vazios. Daqui desapareceram os cafés (tradicionais locais de convívio onde, à volta de uma bica, as pessoas conversavam e construíam laços de proximidade), substituídos por dependências bancárias e por restaurantes que servem comida “plástica”, ingerida muitas vezes em pé. É nos seus centros que as cidades vão morrendo. É sobretudo aí que se situam os 500 mil fogos devolutos que existem neste país, assim mantidos até que alguém decida quebrar o círculo vicioso em que tudo isto se alimenta irracionalmente: a especulação (preços altos, tabelados para serviços e comércio) e as baixas rendas antigas (que não permitem obras) são o cozinhado de que se alimentam as imobiliárias (que deixam as casas esvaziarem-se, acelerando se necessário a sua degradação até obterem uma licença de demolição – para que ali nasçam novos prédios e com eles maiores lucros) – e tudo isto perante a distracção ou o concluo dos poderes, designadamente do poder local, onde, é bom reconhecê-lo, há muita falta de cultura urbana.
Sem políticas de revitalização dos centros urbanos (estimulando o arrendamento, preferencialmente a casais jovens) não é possível interromper o caminho de descaracterização das nossas cidades. Porque, insisto, cidade que não tem um verdadeiro centro (átrio da memória e bússola de interpretação do aglomerado urbano) não é uma cidade, mas apenas um incaracterístico corredor de passagem aonde não vale a pena voltar.

4.2. – Circulação e Estacionamento

Igual importância me merecem as políticas de circulação e de estacionamento, que são decisivas para a construção de um ambiente saudável no espaço urbano.
Hoje, passada que é a época em que o automóvel era, por excelência, o sinónimo do progresso e a afirmação da qualidade de vida, começa a ganhar força e expressão, ao nível dos cidadãos e dos órgãos gestores das cidades, um movimento de sinal contrário que, sem pretender expulsar o automóvel do espaço urbano, claramente afirma a prioridade do cidadão sobre a viatura.
A criação de zonas pedonais, a partir dos centros históricos e áreas comerciais tradicionais foi, inicialmente, objecto de protesto dos comerciantes e dos residentes, que temiam a diminuição da clientela e da segurança. Hoje, é óbvia a relação entre pedonalização de arruamentos e sucesso comercial – a ponto de, em algumas cidades, serem agora os comerciantes quem defende o condicionamento da circulação automóvel, rendidos à evidência de que os carros, mais do que facilitar as compras, afastam os consumidores. É hoje também indiscutível que a devolução das ruas aos peões melhorou a qualidade atmosférica nesses espaços, aumentou a animação, fez que o cidadão sentisse o local como seu, contribuiu para combater a descaracterização da vida social, deu vida a espaços até então fantasmas – contribuiu, em síntese, para a preservação social, urbanística e ambiental, ou seja, acrescentou saúde a esses espaços e aos cidadãos que (crescentemente) os procuram. O mesmo impulso de afirmação da urbe como espaço de vida saudável levou à criação de vias para ciclistas e para a prática de marcha e da corrida, bem como à crescente arborização de arruamentos e espaços públicos.

É evidente que estas vitórias do cidadão sobre o automóvel têm de ser articuladas com uma boa rede de parques de estacionamento (designadamente, periféricos – e, neste caso, gratuitos) e de transportes públicos de qualidade (fundamentais para dissuadir os não residentes de invadir a cidade com o seu transporte particular).

4.3.- Afirmação Regional

Decisiva é a afirmação da cidade no contexto regional. Não podemos esquecer, como disse no início, que as cidades vivem em competição e que o seu desempenho, traduzido nos múltiplos indicadores da qualidade de vida que oferecem, é constantemente valorizado pelos cidadãos quando fazem opções de residência. Veja-se, por exemplo, a oscilação que sofreu, nos últimos 30 anos, o nosso ranking das cidades….
Obstáculo à afirmação destas é, muitas vezes, a permanência de um espírito (doentiamente provinciano) que impede formas de associação ou colaboração, que seriam mutuamente vantajosas. Estou à vontade para falar nisto, porque, porventura, a Póvoa de Varzim vivia com Vila do Conde a situação mais irracional entre vizinhos: de costas voltadas, ignorando (ou fingindo ignorar) que a mútua sobranceria impedia a satisfação de carências que só conjuntamente podiam ser vencidas. Foi comigo, indiferente a quem nisso viu uma rendição, que as duas cidades avançaram para vários projectos comuns no âmbito do ensino superior (já concretizado), no domínio da saúde (vem aí um hospital regional para os dois concelhos), na área do tratamento de águas residuais e da mobilidade interurbana (o metro de superfície e, provavelmente, uma empresa intermunicipal de transportes urbanos).
Pelo que à Póvoa de Varzim diz respeito, e tendo presente a urgência de potenciar a sua inserção na área metropolitana do Porto e no Vale do Ave (porventura, também noutros contextos territoriais, como parece derivar da privilegiada posição geoestratégica da cidade no noroeste português e peninsular), há sobretudo que aprofundar parcerias de cooperação com cidades e municípios vizinhos em ordem à resolução de problemas que, pela sua natureza, só nesse contexto podem ser eficazmente resolvidos. É o caso, entre outros, dos de natureza ambiental (água, resíduos sólidos, águas residuais) e dos que se prendem com a mobilidade dos cidadãos e do ordenamento do território.
Cada vez mais nuclear entre as políticas de gestão urbana é o conjunto das práticas político-administrativas que conduzem à sustentabilidade da gestão.

4.4. Sustentabilidade

Falei já dos ganhos (por significativas economias de escala) que as cidades obtêm através da cooperação com municípios vizinhos. É necessário dizer, por muito impopular que num primeiro momento isso possa ser, que os cidadãos têm de comparticipar nos custos da qualidade de vida que reclamam: a limpeza da cidade, o asseio das zonas verdes, a qualidade da água, a recolha dos lixos e o seu tratamento, o tratamento das águas residuais domésticas, os equipamentos de usufruição para desporto, recreio ou lazer – enfim, um conjunto vastíssimo de situações em que o utilizador tem de ser o principal pagador. Qual seria a alternativa? Se tudo fosse deixado a encargo do município, a cidade veria aí progressivamente consumido o seu orçamento, não dispondo portanto de recursos para o lançamento de novos projectos que reforcem a sua capacidade competitiva. Ou seja: os cidadãos, assumindo a sua quota-parte no custo da qualidade de vida que usufruem, estão a investir no futuro, garantindo que os seus filhos disporão de condições, pelo menos, iguais para se realizarem como seres humanos – livres e felizes.

O que fica dito não passa de tópicos de reflexão: algumas generalidades e umas quantas situações decorrentes da minha participação num processo, que considero muito feliz, de reabilitação da cidade da Póvoa de Varzim – tudo contributos muito modestos para a importância que hoje reclama a gestão urbana.
Sei que a cidade perfeita e o seu governo, de que falava Thomas More, são inatingíveis; mas também sei que os gestores urbanos, com os cidadãos, têm capacidade para superar os problemas reais com que diariamente as suas cidades são confrontadas.
A utopia, disse o filósofo, é como o horizonte: quanto mais andamos, mas se afasta. É precisamente por isso que, cada vez mais, gosto dela: porque nos permite caminhar.

José Macedo Vieira