Ontem à noite, no Hotel Axis Vermar, seis obras foram apresentadas ao público:

Como o ar que respiras, de Maria João Martins, conta a história de Angie e Gabriel. “Como gosto de ti? […] Amo-te simplesmente como o ar/que respiras. Ao sol, na escuridão./ Com a audácia de um livre coração.” Separados pela Geografia, Angie e Gabriel encontram-se na paixão pela beleza deste verso de Elizabeth Barrett Browning, mas também pela desmesura do sentimento que traduz. Ela está em Londres e ele em Lisboa, mas o trabalho sobre a vida e a obra literária da autora vitoriana levá-los-á ao confronto consigo mesmos, com os seus sonhos e medos. Gabriel teme que a vida nunca lhe dê o bastante e Angie, a braços com um passado perturbador, parece já não confiar na redenção. Mas, se um poema, ou uma carta, não for apenas um conjunto de palavras, mas um rastilho capaz de desencadear um incêndio, muito depois de ter sido escrito, o que poderá acontecer?

Maria João Martins estreia-se no romance com uma obra de assinalável maturidade e cuidado rigor narrativo.

Do Longe e do Perto Quase-diário, de Yvette K. Centeno, um romance quase um diário, ou diário-quase romance, como queiram, nasceu de um blog em que, quase por desfastio, comecei a escrever. Com o passar do tempo (demorei alguns anos), verifiquei que entre leituras de outros ou de outros sobre o que eu ia escrevendo, discussões literárias atravessadas por episódios do quotidiano, nacional ou mundial, iam emergindo personagens vindas do Longe que se tornavam cada vez mais próximas. Algumas dessas personagens chegaram mesmo a materializar-se e acabei por conhecê-las aqui, nesta Lisboa de eterna sedução, que o Fado embala.

O Filho de Campo de Ourique e Outras Histórias, é a estreia literária de António Figueira. Dezassete histórias curtas, daqui e de agora, experimentando formas novas, reduzidas a esqueletos, sem excipientes literários, entulho que atrapalhe os gestos decididos das personagens que nelas se movem, contadas ao ritmo da vida vivida, e que por isso resultam fortes, de traços nítidos e de linhas claras.

O Verão de todos os silêncios, de Maria Manuel Viana, também foi apresentado ontem à noite. Uma mulher que escreve um livro e três mulheres personagens desse livro. Quantas mulheres serão?

Sara busca até à loucura memórias perdidas, e escreve. No livro encontrado, Ana B, M.ª João e Sara K. vão em viagem às Canárias tentando, cada uma, conciliar-se consigo própria e com a memória que recalca, que lhe falha ou que silencia. Uma história passada entre Portugal, Espanha e a Argentina em que os abusos de infância e os mecanismos extremos de defesa se alinham num fio de escrita construído como uma frágil barreira contra a torrente da desintegração. Maria Manuel Viana traz-nos um romance poderoso sobre os mecanismos da ficção, a capacidade de resiliência e o resgate da memória.

Os Demónios de Berlim, de Ignacio del Valle, leva-nos até à cidade alemã, em 1945. Os soviéticos avançam, imparáveis, pelas ruas repletas de escombros. Em toda a cidade a luta é violenta, e a derrota alemã está iminente. Arturo Andrade está no meio de todo aquele caos. A sua missão: localizar Ewald von Kleist, que acaba por encontrar morto na chancelaria do Reich com um misterioso bilhete nos bolsos.

Começa assim este thriller escrito com paixão e rigor documental que, com um ritmo que não dá tréguas ao leitor, nos aproxima de uma personagem que deverá enfrentar múltiplos demónios, os alheios e os seus próprios, para salvar a única coisa que parece escapar a este contexto atroz: o amor de uma mulher.

Por fim, Kirmen Uribe lançou O Dois Amigos. O último desejo de Liborio Uribe ao tomar conhecimento que a hora da morte está traçada é ver pela última vez um mural, e pede à  nora que o leve a contemplá-lo. Homem do mar, passou toda a sua vida no Dois Amigos, onde muitas histórias se passaram. O neto Kirmen, sempre desejou recordar essas histórias, de que tinha memórias esfiapadas, e decidiu reconstituir a vida a bordo do barco.

Romancista e poeta, Kirmen reconstrói o passado de três gerações da família com um mosaico de cartas, poemas e dicionários… e tudo narrado num voo transatlântico, entre Bilbau e Nova Iorque. Homenagem a um outro mundo que ficou no passado, é também um legado para os que perduram.