«A bem da nossa sanidade mental, devemos deixar uma margem para o aleatório», aconselhou a dada altura António Cabrita, durante a sua intervenção na mesa “O poder das palavras faz-se de liberdade e silêncio”. Se Manuela Gonzaga acentuou que «a palavra é uma arte de poder», teve de voltar a usar da [sua] palavra depois da ronda de intervenções, motivada por uma defesa vinda do público ao Santo Ofício, apresentado como uma espécie de mal menor que teria poupado outros maiores (estranha aritmética, mas enfim…) .

Em outra mesa (”O silêncio é o sal da escrita em construção”), algo alicerçou em mim uma espécie e ponte, ao escutar João Felgar reflectir como «o não dito – uma forma de silêncio – está presente em muitas das famílias que povoam os romances de Augustina Bessa-Luís e é o cimento de algumas dessas poderosas obras».

As palavras salvam ou matam, mas raramente passam pela boca de cena de forma incólume. É melhor dizer algo contestável ou calar uma vontade? É melhor discordar com sinceridade ou omitir ressalvas com pruridos e receios de refutação?  

Na literatura, tal como na vida, tal como na música, a melodia também conta com os silêncios para que a entoação adequada se sobreponha à pauta, isto é, aos possíveis destinos e escolhas, isto é, à folha em branco.

«O silêncio pode ser um ácido que queima tudo em que toca. Os escritores, pelos milagres que fazem, transportam esse ácido em sal».

Vergílio Alberto Vieira, acentuando a dimensão performática que as suas intervenções nas mesas das Correntes d’Escritas acentuam a cada ano, terminou a deste ano com um extracto de uma composição musical de Xenakis, cruzando-o com um quadro de Álvaro Lapa, um dos mais enigmáticos escritores portugueses, mas, também por isso, um criador de voz própria e inconfundível. O rosto do compositor projectado no fundo palco, desfigurado pela guerra, uma das tais atrocidades que tantas vezes convidam ao silêncio mas impõem o contrário («a liberdade é grito», acrescentou  o próprio Vergílio), foi mais uma voz neste diálogo entre pessoas, emoções, linguagens.

Nem só com palavras se faz um discurso. Não poucas vezes, os silêncios ditam a respiração e compreensão.