Póvoa de Varzim, 24.02.2011 - “Bem-vindos à melhor mesa desta edição do Correntes d’Escritas”, anunciou Rui Zink, o moderador de, “A minha arte é uma espécie de pacto”, frase de um poema de José Tolentino Mendonça, retirado do livro O Viajante sem Sono. A frase serviu de “mote, e não tema”, como referiu o moderador, para esta 3ª Mesa.
Sobre David Toscana, o primeiro interveniente, Rui Zink afirmou tratar-se de “um dos mais representativos e originais autores das novas letras latino-americanas”. Quanto ao escritor, começou por desculpar-se por não falar português e brincou “se me entenderem, bom, se não me entenderem, muito bom”. O autor mexicano, sobre a temática, confessou que “com Deus não há pactos. Se queres ideias para o teu próximo livro tens que te dirigir ao demónio. E, há sempre um preço a pagar e se o contrato é oral, vale o mesmo que um contrato escrito”. Sobre o seu ofício, David Toscana revelou que “vai mais além do que contar uma história. As nossas avós, as nossas tias, todos sabemos contar uma história. Há um mundo estranho que tenho que compreender, senão não vale a pena escrever sobre ele. Sobre um crime, falam as televisões, um escritor tem que compreender além das acções.”
O escritor colocou, ainda, questões sobre a obra literária: “o que é um romance e o que deve causar esse romance? Uma frase pode causar a morte de alguém?” Entre tequilhas, no seu país natal, David Toscana discutia este tema com amigos escritores quando surgiu a pergunta “Se soubesses que um livro teu causaria a morte a alguém publicá-lo-ias? A resposta não tardou. Sim. É o máximo Prémio Nobel saber que a tua obra tem a capacidade de causar estados de alma tão dramáticos. ” Finalmente, o mexicano sublinhou que “não queremos a morte, mas queremos ler sobre ela. Não queremos a guerra, mas queremos ler sobre ela.”
Juva Batella, sobre a frase “A minha arte é uma espécie de pacto”, perguntou: “É possível afirmar que a arte é alguma coisa?” Para o escritor, “a minha arte é uma espécie de guerrinha entre duas pessoas que vivem nos meus ombros, o Grande Juva e o Pequeno Juva. O primeiro é bonacheirão, simpático, modesto e gosta muito de mim. O segundo acha que trabalho pouco e que só escrevi nove livros porque calhou e, na verdade, nunca escrevi nenhum livro que valesse a pena”.
Para o brasileiro, “o autor é sempre inédito. Escreve sempre como se fosse a primeira vez”.
Para Luís Represas, “a letra de uma canção são 400 quilos de tomate transformados numa garrafa de ketchup”. O músico, que confessou sentir-se hoje “um peixe fora de água”, disse que fez um pacto com a sua obra: “ela não se mete comigo e eu não me meto com ela. A obra é um ser inteiramente livre e já sabemos que não podemos confiar em seres assim. Achamos que nos está a levar a um determinado sítio e, depois, fazem-nos trapaças”. No seu primeiro livro, A Coragem de Tição, Represas rompe esse pacto e deixou-se levar nas aventuras do pequeno cavalo-marinho, personagem principal da sua obra infanto-juvenil.
Manuel Jorge Marmelo participa nas Correntes d’Escritas pela 10ª vez e considera que a sua intervenção mais inesquecível aconteceu o ano passado, “quando praticamente me limitei a bater na mesa para acompanhar Malangata, de quem sinto muita falta neste Encontro”. Sobre o tema da mesa, o escritor português admitiu que, “mais do que os anteriores, este tema deixou-me com mais dificuldades em abordá-lo. Resolvi escrever um texto, mas esta já é a quarta versão”, confessou. Começou por dizer que “a minha relação com a minha arte, neste momento, não é das melhores. Além de todos os meus títulos imbecis, como o Rui Zink fez questão de enumerar, a editora que os publicou faliu”. Quando estava a preparar o texto, Manuel Jorge Marmelo lembrou-se d’O Livro do Desassossego, de Bernardo Soares, e da frase “Aquela obra que se faz, ao menos fica feita. Será pobre, mas existe, como a planta mesquinha no vaso único da minha vizinha aleijada”. E, lendo esta lamúria, o escritor recordou-se, também, da sua vizinha, “a única pessoa que me trata por Sr. Escritor. A desvantagem é que a senhora é completamente louca e só me trata assim porque nunca leu nada do que eu tenha escrito”. O escritor pensou já estabelecer um pacto com o diabo, de maneira a ter “sucesso, dinheiro e gajas” mas, depois, um escritor seu amigo escreveu um conto onde um homem que tinha feito um pacto assim tinha ficado sem mãos, “algo muito indesejado quando se tem gajas e dinheiro para gastar”.
Mário Lúcio Sousa contou um pouco da sua motivação para escrever o seu último livro, O Novíssimo Testamento. O escritor cabo-verdiano reflectiu sobre a literatura na Europa, afinal, “o Correntes é o local indicado para o fazer”. Mário Lúcio questionou: “poderá haver livros que não falem de nada e outros que falem da mãe do Big Bang? O importante é que não se anulem um ao outro.”
Quando ainda não conhecia as letras, Ricardo Romero, para quem “não há alegria sem tristeza, nem tristeza sem alegria”, brincava fingindo que escrevia. Hoje, participou pela primeira vez no Correntes d’Escritas.