“Hoje são estas as palavras, amanhã não sei” foi considerado como verso inquietante por Ana Luísa Amaral ou como mote intrigante e desafiante por Fernando Pinto do Amaral, na Mesa 1, que se realizou pelas 17h30, no Cine-Teatro Garrett, na Póvoa de Varzim, no âmbito do 19º Correntes d’Escritas.
A Mesa inaugural, moderada por José Carlos Vasconcelos, integrou ainda os escritores Arménio Vieira, Filipa Leal e Maria Antónia Palla.
Ana Luísa Amaral viajou com o que assumiu ser o verso de alguém na bagagem até Itália. Sempre sem saber o que fazer com o tema…que acabaria para a remeter para a imprevisibilidade da vida. Geralmente, as pessoas lamentam não conseguir prever o futuro, afirmando – “se eu soubesse escrever…, se soubesse o que deveria ser dito…”
O certo é que, sublinhou Ana Luísa Amaral, se tudo se soubesse deixaria de haver “melancolia virada do avesso”, quem sabe, deixaria de haver poesia, que é, nem mais nem menos, que a “arte do imprevisível”.
“O não saber é a nossa mais humana e extraordinária condição”, afirmou a já premiada pelo Prémio Literário Casino da Póvoa.
O autor de “O Brumário e Derivações do Brumário”, Arménio Vieira, deu conta de algumas das inquietações a quem tem sido muitas vezes colocada a questão “Porquê Brumário?” ou então uma outra “Porquê poesia?”
O escritor cabo-verdiano defendeu que o título vale muito menos do que o todo da obra e que começa sempre por escrever o texto e só no fim o título. De resto, interroga a plateia – “será que os títulos valem alguma coisa além da sua função publicitária?”
Fernando Pinto do Amaral refere que o mote proposto para a Mesa 1 deixou-o intrigado. Admite que possa ser um verso de alguém, mas não pesquisou muito acerca disso, pois depressa se deu conta de que há sempre “inúmeras histórias que podemos adaptar a este mote”. Também este autor remete a sua intervenção para a imprevisibilidade da arte e da vida: “a imprevisibilidade é o que dá algum sainete à nossa vida”.
O estudante de Medicina que depois abraçou a Literatura adiantou a sua reflexão para a diferença entre o “fazer” e o “acontecer”. Continua a existir alguma indecisão entre estes dois patamares, sendo que dizemos “O que fez o João? O João escreveu um livro” e, por outro lado, “O que aconteceu ao João? O João partiu uma perna”. Mas há uma certa indecisão nesta questão, quando dizemos o João apaixonou-se: “podemos perguntar o que aconteceu ao João? Apaixonou-se…mas, como na nossa literatura ainda há muito romantismo, também perguntámos, o que fez o João? Apaixonou-se!”
“É nesta indecisão que este mote acontece”, rematou o escritor.
A portuense Filipa Leal começou por afirmar que, “amanhã, talvez o meu texto fosse outro”. Referindo-se ao universo das novas tecnologias de comunicação, e apesar de não ter messenger, instagram ou itunes, há que reconhecer que existe uma era da linguagem abreviada. Os adolescentes escrevem com novas palavras, “dizem eles para poupar tempo”, e não como há poucos anos, “na era das SMS (mensagens escritas por telemóvel), em que escrevíamos abreviaturas, porque cada caracter a mais era pago”.
Então, disse Filipa Leal, que pesquisou junto de alguns adolescentes esta nova forma de linguagem, as novas palavras são, por exemplo, LOL, WTF, ONG, KKK. “Estamos na era das palavras sem vogais e dos emoticons”.
Filipa Leal até ensaiou uma tradução de uns versos de Camões para a nova linguagem, imaginando um adolescente a enviar uma mensagem por messenger à sua namorada: “ OMG tou tão incerto que tou com frio e calor; WTF…o resto do poema resolver-se-ia por certo com emoticons”.
A jornalista Maria Antónia Palla finalizou estas dissertações sobre “Hoje são estas as palavras, amanhã não sei”, referindo que não se considera escritora, “apenas uso os livros quando os textos ultrapassam o jornal ou a revista. Ainda assim os instrumentos que uso são as palavras; gosto de ouvir as pessoas”.
E explicou que ser jornalista foi acima de tudo “uma questão cívica”. É que, quando começou, era impensável as mulheres entrarem numa redação em pé de igualdade com os homens e o número de pessoas com um curso superior era muito reduzido. Sendo então uma pioneira no seu tempo, entendeu que era uma questão cívica contribuir “para motivar as pessoas a aprenderem mais e a saberem mais”.
Hoje em dia, essa missão de jornalista continua a ser necessária, de acordo com Maria Antónia Palla, dado que, lembrou, “ainda há milhões de cidadãos que não conseguem usar a sua voz, fazer uso da palavra” devido a constrangimentos diversos, como por exemplo, de ordem política.
A jornalista mostrou-se algo pessimista quanto ao futuro, dominado por uso de linguagem abreviada em novas tecnologias e a robotização crescente, que causa desemprego. “O desempregado não é apenas um problema sob o ponto de vista económico, o desempregado perde a autoestima e perde as palavras”.
Acompanhe o 19º Correntes d’Escritas no portal municipal e no facebook Correntes, onde pode consultar o programa completo do evento e ficar a par de todas as novidades.