O escritor de Valência, que lançou nesta edição do Correntes d’Escritas o romance Coisas que nunca aconteceriam em Tóquio, foi o primeiro a intervir. Começou por contar que quando era criança teve aulas de violino que também eram frequentadas por uma menina loira, de olhos azuis e muito bonita. Alberto Torres Blandina ansiava pela sua amizade, rejeitada vezes sem conta pela menina. “Há alguns anos, estava numa discoteca e uma mulher aproximou-se de mim e perguntou-me ‘Lembras-te de mim?’ e eu respondi ‘Claro que sim’. Era a menina loira e de olhos azuis, mas que se tinha transformado numa mulher feia. A fealdade não me impediu de passar a noite com ela, mas foi com a menina de oito anos que realmente estive”. Para o escritor, tudo está em constante mutação, no cinema, na pintura, na literatura, na banda desenhada.

Os objectos, no nosso tempo, são transformados, faz-se um tunning: “Em Espanha, Agustín Fernández Mallo escreveu um remake do El Hacedor, a obra de Jorge Luis Borges, reescrita para o século XXI. E é muito interessante porque agora estamos a fazer uma mescla absoluta dos objectos. Estamos sempre a falar dos mesmos temas, apenas reinterpretando-os. Para Blandina, se a página fala do passado, também fala do futuro e a sua reinterpretação desta frase é “Espalho sobre a página a tinta do futuro”.

António Figueira confessou que não consegue dar às palavras mais que o seu significado literal. “Entendo o que é espalhar, sei o que é uma página, mas tinta e passado já me complicam um bocadinho a vida”, comentou. Para o autor de O Filho de Campo de Ourique e Outras Histórias, apresentado na quarta-feira, “a escrita só pode usar como matéria-prima o passado porque só o passado aconteceu. O passado é mais do que memória individual, é memória objectivada e transformada em história”.

“Espalho sobre a página a tinta do passado” parece a Francisco José Viegas “aquilo que é, um fragmento de um poema e eu tenho uma grande inquietação em falar sobre poesia”. O editor da Quetzal afirmou que “quase tudo o que escrevo tem a ver com o passado”. Sobre o tema da Mesa, Viegas disse, ainda, “é algo quase de retórico, de óbvio”.

Quanto a Inês Pedrosa, começou por elogiar “este festival literário que, para mim, é único no mundo. Nós, que ainda temos a sorte de percorrer alguns países e ver o que se faz lá fora, sentir o acolhimento, a organização e o crescimento do certame tem sido fenomenal”. Para a autora, “a noite do tempo é mais poderosa do que a tinta de qualquer passado, mesmo próximo. O rosto dos nossos sonhos, ainda que perdidos, é feito de futuro, isto é, de uma aura que nos transfigura e que nos cega com a mesma luz com que nos esclarece”. Acrescentou que “não há passado nem futuro na literatura, apenas eternidade” e afirmou que o verso do poema de Nuno Júdice

Espalho sobre a página a tinta do que não passa. Creio que é isso que todos os escritores tentam fazer e é o mais difícil, sobretudo num mundo onde tudo parece passar tão depressa que é como não se passasse nada. O passado é uma ficção, tanto mais mentirosa quanto a vontade de ser factual”.

Maria Manuel Viana contribuiu para esta Mesa com um texto pessoal, partindo dos versos que compõe o poema de Nuno Júdice. A escritora de Figueira da Foz falou sobre o pai, a motivação para se tornar professora, o que a levou a escrever: “escuto as gaivotas, os pássaros que já não cantam, atravesso todas as aldeias e dou uma mão à criança que fui e espalho na página a tinta do passado”.

“Que página, que tinta, que passado?” Paulo Ferreira abordou o tema referindo-se às novas tecnologias e à forma como nos esquecemos de dizer às pessoas que gostamos delas. “Tenho visto tanta gente dar cabo das suas vidas por causa de 160 caracteres…”, brincou, “mas eu deveria era estar calado. Sou incapaz de sair de casa sem telemóvel”.