Moderado por Helena Vasconcelos, o debate contou com a participação de Almeida Faria, Alice Vieira, Álvaro Uribe, Luis Fernando Veríssimo, Mário Cláudio e Paulina Chiziane.

Luis Fernando Veríssimo ‘ilustrou’ este tema recordando o Brasil enquanto país sob uma ditadura militar, cuja imprensa era controlada pela censura. Ora sendo este um país onde para os escritores escrever crónicas é já “uma tradição”, estes deparam-se com a falta de liberdade para abordar os mais variados assuntos. Assim, Luis Fernando Veríssimo começou a utilizar o desenho “pois muitas coisas que não podia dizer com as palavras podia dizer com o desenho.” E assim criou um rinoceronte “que simbolizava o poder militar”, ludibriando assim, com papel e lápis, a própria censura. Interrogando-se sobre até que ponto o texto afecta a realidade e o próprio poder, Luis Fernando Veríssimo considerou que, na verdade, um escritor tem a capacidade de afectar o leitor. Mas, em contrapartida, “o poder de um cronista em afectar uma sociedade é muito limitada.”

Não uma escritora, antes uma contadora de histórias, Paulina Chiziane diz que tem nos seus olhos “uma espécie de arma de caça. Os meus olhos de escritor de repente disparam, alguma coisa cai, eu recolho e levo para casa. Passado um tempo, que pode ser um mês ou um ano, torna-se a minha presa, levo-a para a cozinha e preparo-a com requinte”, acrescentando “alguns temperos.” E, na sua opinião, é bom escritor aquele que é bom caçador, aquele que sabe exactamente aquilo que quer. “Para nós moçambicanos escrever significa muito mais que ver”, explicou. E contando uma história sobre um homem que mata o filho da sua companheira por duvidar da sua paternidade, entoou uma canção, que simbolizava o diálogo entre esta mãe e o seu filho morto, onde o coro foi a própria plateia do Auditório Municipal, já previamente preparado pela própria escritora. Tudo isto para dizer que “como africana, quando conto uma história estou a contar o que vi mas também o que ouvi. Não só olhamos, como precisamos de ouvir.” Considerando a escrita africana diferente da europeia, “mas a pouco e pouco estamos a conquistar cada vez mais espaço”, Paulina Chiziane admitiu que de facto “o olhar escreve”, mas a caneta, essa, “só vê em determinados lugares.” Disse até que poderia escrever como na Europa, “bastava aprender, mas quero ser fiel às minhas raízes.”

Visão, cegueira e vivência são, para Mário Cláudio, os níveis da sua escrita. Visão porque para o autor “o mundo sensível existe. Sou um escritor que vive no contacto com as coisas.” Mundo sensível esse que “pode ser dado de um modo descritivo e pode ser conferido de uma forma sugerida.” E para esta visão, Mário Cláudio considera “muito importante” a sua relação com as Artes Plásticas mas também o olhar de outros, dos grandes génios da Literatura, que viram antes dele. Elemento igualmente importante é a cegueira, a irracionalidade da escrita, a opacidade. “Não tenho grande fé na escrita transparente”, afirmou, agradando-lhe muito mais a ideia “de que há uma margem que não se consegue transpor.”

Por último, a escrita como vivência, aquela que dá a ideia “de que não estou a escrever nada de novo.” Assim, o texto já existiu ou então “o que se escreve é um texto de decifração do texto que está por debaixo dele.” E concluiu dizendo que o tema da mesa, ‘O olhar escreve ou melhor a caneta vê’, “é uma ciência que não domino. A escrita está muito para além da própria escrita. A cada escrita correspondem várias escritas, várias leituras”, o que leva “a um efeito libertador.”

palavras

Levando o tema até às novas tecnologias, Almeida Faria confessou que “realmente sou dos que acredita na capacidade da caneta.” Isto porque a sua relação com a escrita “foi manual, arcaica”, onde o “ruído do lápis”, sobre o papel, o “desenhar das letras” lhe transmitiam um grande prazer. Com o aparecimento da máquina de escrever, o desenhar das letras desaparece, mas o “ruído das teclas” mantém-se. Até que aparecerem os computadores, dos quais Almeida Faria sempre desconfiou. “Perdia muitos textos”, observou, algo que o fez “entrar em paranóia e, depois de escrever no computador, copiava tudo para um folha de papel”, contou com humor. Por isso, e também porque o ruído faz falta, voltou ao lápis e ao desenhar das letras. “Agora estou a regressar à normalidade, vou voltar a publicar mais coisas”, avançou, justificando este interregno na escrita pelo facto de ter dado, durante alguns anos, aulas de Filosofia. “O pensamento abstracto da Filosofia é incompatível com o da ficção e por isso deixei de ensinar Filosofia.” E afinal, o escrever de versos agrada-lha mais, “dá-me prazer por ser tão sintético, por não perder tempo com palavras desnecessárias.”

Também Alice Vieira apresentou alguma resistência face ao computador, mas rendeu-se. Mas mesmo assim, e durante algum tempo, ainda gravou o som das teclas da máquina a escrever, para reproduzir enquanto escrevia ao computador. Recordando uma infância difícil, explicou que foi a escrita que funcionou como “acto de defesa”, uma forma de sobreviver, pois percebeu que caneta permitia extravasar para o papel o que se passava. Os livros, muitos livros que acompanharam na infância, também a influenciaram, “passava horas em frente ao espelho a falar e a ler.” Por isso, esta “infância complicada” sempre influenciou a sua escrita, “a minha caneta sempre viu melhor, é ela que faz o que eu quero que faça.” A caneta é como um catalisador, “transforma tudo.”

“A caneta vê? Não sei, mas sei que a caneta faz ver”, considerou o mexicano Álvaro Uribe. Sendo a imagem “o primeiro sentido”, importa “fazer ver o leitor o que vê o escritor.” Assim, e na sua opinião, o olhar de facto escreve, mas existe um olhar exterior e o olhar interior, sendo que este “vê muito mais coisas.” E é neste olhar interior que Álvaro Uribe encontra “o olhar da fantasia, aquele que pode projectar o futuro e ver o passado.” A visão é, na opinião de Uribe, aquela que permite ao escritor “dar uma espécie de partitura à escrita”, uma coordenação.

África, América Latina e Europa. Vivências diferentes, que deram vários olhares sobre o tema. No entanto, e em linhas gerais, pode-se dizer que sensações e sentidos, a mecânica da escrita, a importância do ruído, tudo isto convive com o escritor no seu processo de criação, num mundo que o leitor desconhece.