Esta poderá ser a última vez que o faço mas, qualquer que seja o poder executivo eleito este ano, o Encontro tem de continuar”.

“Quem diria que de uma sala na Biblioteca Municipal, com 70 lugares e muitos deles vazios, passaríamos para este espaço, com 340 lugares sentados e dezenas de pessoas sentadas no chão e encostadas à parede? Há quem diga que é milagre, eu digo que é trabalho. Quem não acredita no trabalho não acredita no sucesso. O segredo é ler, ler, ler”, sublinhou Luís Diamantino.

“Muitos jornalistas pedem-me para destacar a presença de algum escritor. Respondo que no Correntes d’Escritas não há estrelas. A única estrela aqui é o livro”. Segundo o autarca, “a primeira coisa que os jornalistas me perguntam é sobre o orçamento do Correntes d’Escritas. Então há pessoas a passar fome e vocês vão gastar dinheiro com cultura? A demagogia é perigosa. Deixem-nos ter um bocadinho de cultura neste país”.

Há uma vertente educativa no Correntes d’Escritas que, ao longo dos últimos catorze anos, nunca foi subvalorizada: “é essencial o trabalho junto dos jovens. Nunca nos esquecemos das escolas”. E foram os frutos desse trabalho que, esta tarde, emocionaram o público. Leitores e escritores silenciaram para ouvir as palavras enviadas pela professora da turma vencedora do Prémio Conto Ilustrado Correntes d’Escritas/Porto Editora: “a história é sobre a nossa turma, que abraçou com a alma e o coração uma menina com necessidades educativas especiais, a Vera. Nesta história é retratado todo o percurso da turma e da aluna, desde o primeiro até ao quarto ano. É tratado o tema de integração e aceitação de uma aluna diferente, que acaba por ensinar aos colegas grandiosos valores morais, sociais e emocionais. Esta história é, nada mais, nada menos, o enaltecimento ao amor, no seu sentido mais amplo e a formalização por escrito de tudo o que temos vivido e aprendido ao longo destes anos. O termo verês (o título da obra premiada é Na escola aprendi “verês”, da  Turma A da Escola de Ensino Básico1 O Leão de Arroios, de Lisboa) surge porque a Vera revela muitas dificuldades na articulação das palavras, isto é, fala verês. Segundo Paulo Gonçalves, representante da Porto Editora, “este trabalho representa a razão pela qual instituímos este Prémio”.

E se outra razão fosse necessária, seria dada pelos alunos das escolas que receberam o segundo lugar e, ainda, a menção honrosa. A alegria esfusiante e o brilho nos seus olhos quando ouviram o nome das suas escolas desconcertaram o público, que sorriu emocionado. A professora da Escola dos Sininhos, que receber uma menção honrosa, comentou que, ao trabalharem no texto, os seus alunos discutiam uma palavra, tal era a dedicação ao que se tinham proposto. “São os pequenos pormenores que nos hão de levar à vitória”, explicou um dos seus alunos aos colegas da turma.  

Ana Matilde da Silva Gomes, com o poema Inexistência Mental e sob o pseudónimo Victoria Montenegro, foi a vencedora do Prémio Correntes d’Escritas/Papelaria Locus. Com uma confiança pouco habitual nos adolescentes, a autora disse o seu poema vencedor com firmeza e mereceu, até, um cumprimento especial. Hélia Correia incentivou Ana Matilde a continuar a escrever e considerou o seu poema “lindíssimo”. A vencedora do Prémio Literário Casino da Póvoa explicou que, para si, “um prémio é um encontro entre uma possibilidade e um conjunto de circunstâncias. Com uma leve deslocação de uma delas, o Prémio recairia sobre outra pessoa. São acasos que não me perturbam a vida. Mas, neste caso, é diferente. O júri deste Prémio são pessoas que muito admiro, amo até, e sinto aquele prazer de uma criança que fez qualquer coisa que é alvo da aprovação daqueles que ama”.

Para Hélia Correia, o Auditório Municipal é a ágora da Antiga Grécia: “há aqui qualquer coisa da beleza helénica, que eu gostaria de ver implantada entre nós. São circunstâncias especiais, os escritores estão juntos durante vários dias, o que cria ligações afetivas excecionais no mundo concorrencial que hoje existe. À ágora, os gregos iam todos os dias conversar, trocar ideias, debater pensamentos. É esta festa contínua da palavra no Correntes d’Escritas que o torna especial”.

A escritora concordou com Luís Diamantino: “acontece aqui um milagre porque as pessoas querem que aconteça, pessoas que pensam que a arte deve ser preservada”. Hélia Correia confessou ter aceitado o convite “a primeira vez por ter sido feito de uma forma muito simpática”. Apesar de ter relutantemente aceite, a escritora reconheceu ter ficado logo rendida e “convertida. Sinto-me numa família. São três dias a viver num paraíso”.

“Faço um louvor a esta terra, a esta gente, a este momento. Há qualquer coisa de exemplar nisto. Se isto é possível – e não é milagre – tomemo-lo como exemplo, a esta pequena Grécia”.      

“A melhor forma de homenagear poetas é deixá-los falar”, disse Luís Diamantino. Por isso, nesta sessão de Encerramento houve ainda lugar para recordar Manuel António Pina e Lêdo Ivo, uma homenagem pelo Varazim Teatro.

“A literatura nasce do sentimento de perda, de melancolia”, disse Susana Fortes esta tarde na última Mesa. Talvez agora, que o Correntes d’Escritas se despediu do público – que, mesmo com o Inverno rigoroso que se fez sentir, não deixou de marcar presença no Auditório Municipal durante os três dias do evento – todos se sintam ainda mais inspirados. Apenas esse sentimento de perda, de melancolia, justificaria o facto de, terminada a Sessão de Encerramento, o público ter permanecido imóvel durante alguns instantes, sentado nas cadeiras como que à espera de mais. Haverá mais, “sob pena de fazermos uma revolução”, disse Hélia Correia.

Relembre os melhores momentos desta 14ª edição aqui.