A Catherine Dumas coube o papel de moderar o debate e avançar já com algumas ideias sobre o tema. “Quando lemos Agustina Bessa-Luís temos mais perguntas que respostas”, disse, antevendo as inúmeras questões que o aforismo “Escrevo para desiludir com mérito” iria levantar no Auditório Municipal.

“É um tema que vai para lá do críptico”, concordou Ana Luísa Amaral.  Defendeu que todo o poema é sobre aquele que escreve, mas, ainda assim, a poetisa colocou várias questões. “Quem dá mérito? Quem outorga o valor? Quem escreve ou quem lê? E quem desilude? E se não houver leitor?”. Por entre as perguntas, Ana Luísa Amaral  acabou por considerar que, de facto, não tinha resposta a este aforismo de Agustina Bessa-Luís. “Só dúvidas. A frase é toda ela feita de possibilidades”. Na sua opinião, o escritor quando escreve não pensa em que o vai ler mas sim no diálogo com ele próprio. Ora então, concluiu, a desilusão ou a ilusão é do próprio.

Primeiro Eduardo Pitta pensou que esta era uma frase infeliz. Depois, esta manhã, soube que era da autoria de Agustina Bessa-Luís. “Só podia ser dela”, afirmou o autor que acredita que “sempre que escrevemos estamos a desiludir até a nós próprios e seguramente os que estão à nossa volta. A escrita é sempre uma desilusão, mesmo para quem faz”. E de forma a ilustrar esta opinião, leu um poema de sua autoria, acerca de D. Pedro e D. Inês de Castro “em que eu faço uma leitura um pouco lateral à versão oficial”.

Fernando J. B. Martinho contou que a frase/tema de debate foi uma resposta de Agustina Bessa-Luís a um jornalista que lhe perguntou “a mais impertinente pergunta que se faz a um escritor – Porque escreve?”. “Escrevo para desiludir com mérito, que é a maneira de se fazer lembrar com virtude”, respondeu Agustina Bessa-Luís. “O paradoxo é a arma preferida de Agustina do seu riquíssimo arsenal retórico”, defendeu Fernando J. B. Martinho, mas, acabou por contar, só há mesmo uma resposta a dar “Porque escreve? Não se sabe exactamente”.

“Não esperem de mim esta erudição”, pediu Francisco Moita Flores, no início do seu contributo para este debate. Contou que, em criança, o seu pai comprava livros proibidos, que disfarçava forrando a capa com jornal. Tal fez com que Moita Flores lesse os livros do pai “antes de ler os Livros dos 5”. Depois, na escola, teve como professor de Português Manuel Marques da Cruz, “que amava Camões e lia Os Lusíadas a chorar”. E apesar de os alunos odiarem Os Lusíadas devido ao exercício de dividir orações, a verdade é que quando era o professor a ler, “a sua leitura trazia expectativas de esperança”.

Ao longo da sua vida, Moita Flores percebeu o que era censura, percebeu o que era poesia de combate. “Naquele tempo a poesia era uma arma, o poder tinha medo das palavras”. Depois, entrou na Polícia Judiciária. “Os meus olhos não são como os olhos dos outros escritores. Eu não tratava dos casos de crimes de gravata. Eu tratava dos homicídios, dos assaltos à mão armada.  Vim desse mundo, do mundo da morte, do mundo do cadáver, das lágrimas, do sofrimento”. Até que surgiu a escrita, “de uma forma fluida, mais pelos escritores que fui lendo, fui escrevendo, em jornais, em revistas, depois fiz teatro, ensaios, até que comecei a escrever ficção, no cinema”. E foi aqui que Francisco Moita Flores se apercebeu que outros viam mais do que ele naquilo que escrevia. Os críticos, por exemplo, “diziam coisas que eu nunca vi”. E contando que a filha, a concorrer para um concurso de escrita lhe foi mostrar o trabalho para o pai ver se achava merecedor de um prémio, respondeu-lhe Moita Flores “Não te preocupes em ganhar prémios. Preocupa-te em seres como és”. Uma posição que o escritor e investigador aprendeu “com os homens que fizeram da escrita uma arma”.

Tentando desconstruir o tema, Gilda Nunes Barata avançou que o próprio nascimento ” já é desilusão, o corte do cordão umbilical é desilusão”. A criação, um começo, feito através de palavras e não palavras, tenta “desdobrar o conceito em momentos”.  Levantando também ela algumas questões perguntou qual o acto criativo “que não quer ser contraditório”. E, na sua opinião, a desilusão tem sempre duas direcções: “desiludir, voltar a desiludir”.

Lamentando-se com a fraca sorte de ter um nome começado em Z, que o obriga a ser o último, Zuenir Ventura, jornalista e escritor brasileiro, trouxe boas gargalhas ao Auditório. “Também não sabia que esta frase era da Agustina, mas, se permitirem a paródia, na minha opinião é ‘Eu escrevo para iludir com mérito’. Eu não gosto de escrever, eu  gosto de ter escrito”, brincou. “ É que esta é uma tarefa penosa, temos que procurar o adjectivo certo”, exemplificou. Uma afirmação estranha para quem escolheu ser jornalista e, posteriormente, escritor. Mas Zuenir Ventura contou que até tal escolha de profissões foi um acaso. “Nunca pensei ser jornalista nem escritor, mas não consigo viver sem fazer outra coisa”. Anda assim entre dois mundos, um pede realidade, outro pede ficção. A escrita, essa já se tornou uma segunda pele para o escritor que, para exemplificar esta dualidade entre realidade e ficção, entre ilusão e desilusão, contou como, hoje de manhã, lhe perguntaram se Cátia, personagem do livro Inveja – Mal Secreto (que o autor irá apresentar amanhã no decorrer do Correntes) era real. “Ali tudo é mentira, com algumas verdades. “

E assim se mataram as saudades dos debates animados que Correntes d’Escritas sempre proporcionou. Amanhã há mais, às 10h30, com a 2ª mesa de debate, novamente no Auditório Municipal.

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