Sob a designação muito genérica “Uns pelos Outros”, e reunindo escritores e cineastas, esta mesa deixava, de facto uma grande margem para o diálogo e as ideias em torno de cinema e literatura.

A conversa com o público começou com Fernando Lopes, realizador de “O Delfim” e “Uma Abelha na Chuva”, entre outros, que começou por referir que “é muito difícil conciliar paixões e o cinema e a literatura são duas grandes paixões na minha vida”. Esta consciência da diferença de registo e de linguagem entre estas duas formas de arte foi, de resto, reconhecida por todos os participantes, que não puderam deixar de iniciar as suas intervenções referindo a dificuldade de conciliação entre cinema e literatura. Mas, para Fernando Lopes, a literatura está tão presente na sua forma de fazer cinema que necessita sempre de encontrar um poema e até mesmo um poeta como base e até como ritmo para o seu trabalho: “tenho que ser capaz de ouvir a música da poesia”,  afirmou, exemplificando com “No Fio do Horizonte”, de António Tabuchi: “neste caso foi Cesário Verde que me deu o fio condutor para a história”.

Com Lídia Jorge inverteram-se os papéis, uma vez que se tratava de uma escritora a falar da experiência de ver adaptada ao cinema uma das suas obras, “A Costa dos Murmúrios”, e ainda para mais na presença da própria realizadora, Margarida Cardoso, que também participou nesta mesa. Com humor, Lídia Jorge afirmou que não se sentiu “canibalizada” nesta adaptação de “A Costa dos Murmúrios”, isto é, não sentiu aquilo que, como ela explicou, “a maior parte dos escritores sente ao ver no ecrã cenas dos seus livros, diálogos e até imagens que nem tinha imaginado”. Para a autora, que confessou não ser cinéfila, embora goste de ver cinema, a adaptação da sua obra foi, no geral, bem conseguida, tendo sido gratificante ver como um cineasta passa para as imagens aquilo que o leitor pode tantas vezes reinventar em cada leitura. “A literatura vive de imagens infinitas e o cinema de imagens finitas”, concluiu Lídia Jorge, que acrescentou que, por esse motivo, “o cinema acaba por ser um espaço de liberdade menor, sendo nesta infinitude finita que se joga o diálogo entre a escrita e o cinema”.

Na sua curta intervenção, Margarida Cardoso, realizadora de “A Costa dos Murmúrios” e professora de cinema, reforçou esta ideia da diferença de linguagem entre as duas formas de arte e levou a questão ainda mais longe lembrando, através de um exemplo prático das suas aulas, que a nova geração tem agora também acesso à Internet: “há todo um universo que nós, os cineastas já não dominamos e há também formas muito diferentes de ver cinema, de ver imagens e de interpretar conteúdos que nos escapam e que condicionam as abordagens a esta arte.”

Marco Martins,  também ele um jovem realizador, conhecido, sobretudo por “Alice”, preferiu falar da sua experiência partindo da criação de guiões originais. Preferindo não abordar a questão das adaptações de obras literárias, Marco Martins lembrou, no entanto,  que mesmo no caso de guiões originais, há sempre um confronto entre o escritor e o realizador, mas, para ele, esse é um confronto produtivo: “da colisão destes dois mundos diferentes só pode sair um bom filme”.

 A encerrar a mesa, Luís Carlos Patraquim, escritor moçambicano e membro do Instituto Nacional de Cinema, onde trabalhou como argumentiista e roteirista, lembrou que também há escritores que realizam filmes. Uma inversão de papéis que, segundo ele, “nunca poderia acontecer comigo porque um realizador é um verdadeiro general no “plateau”, a dirigir os actores e toda a equipa e eu não tenho esse estofo militar”. E, para ele, o cinema é ainda um pesadelo para quem escreve, nem que seja o roteirista, uma vez que, como afirmou, “o roteirista escreve e depois vem o realizador e faz um outro roteiro sobre a sua obra e este é o preço da passagem da linguagem escrita para a linguagem cinematográfica”.

As dificuldades de conciliação entre duas formas de arte tão distintas e a riqueza do produto final que se gera em consequência deste diálogo, nem sempre fácil e evidente, dominaram a primeira mesa deste Correntes d´Escritas, que prossegue amanhã, na Póvoa de Varzim, com novas conversas em torno da literatura e das cumplicidades com outras formas de arte.