Seja livraria, biblioteca, feira do livro ou encontro literário, é sabido que sítio onde haja livros sempre tem um ladrão. Ora, aqui nas Correntes d’Escritas, não podia faltar um – mas este é especial, como o festival poveiro.

Em conversa com Alfredo Costa, o livreiro que todos os anos se associa a esta festa, expondo num espaço em frente ao Cine-Teatro Garrett os livros dos escritores convidados e de outros, confidenciou-me que há um ladrão que todos os anos surripia uns quantos livros, sim, e que “até nem são assim tão poucos”.

Mas é um ladrão erudito, com um gosto estranhamente eclético e um critério de selecção muito apertado, explicou. “Não é qualquer coisa que ele rouba e não é, de certeza, para vender. Ele leva os livros porque não deve ter dinheiro para os comprar e quer muito lê-los”. Mas, porque lhe deve pesar a consciência por sentir essa imperiosa vontade de os roubar, em troca, deixa sempre um pequeno presente, à laia de compensação, mostra de gratidão e pedido de desculpas.

No lugar de cada livro que subtraiu, o ladrão coloca uma folha cuidadosamente rasgada de um herbário antigo, com ilustrações a aguarela e folha de ouro, que deve ser o seu mais valioso tesouro. “Já tenho uma bela coleção de folhas desse herbário, é o que lhe digo. E bem olho em volta, mas ainda não consegui perceber quem é, de entre as tantas pessoas que por aqui passam para ver e comprar livros. Não sei se é homem ou mulher, novo ou velho, alto ou baixo… não tenho qualquer pista”.

O livreiro achava que seria mais fácil identificá-lo, por pensar que uma pessoa com tal avidez de leituras a trouxesse estampada no rosto ou, de alguma forma, refletida no aspecto, que imagina talvez um pouco excêntrico. Mas até agora, nada.

Também já considerou a hipótese de se tratar de alguém que não rouba por necessidade, mas pela aventura, para se sentir vivo – não só vivendo as vidas das personagens das obras que surripia, mas também pela forma como as elege e toma posse delas.

“Se for esse o caso, temos um ladrão que não só tem sentido de humor, como deve ser feliz”, observou.

“Se calhar, ele vem roubar os livros depois de ouvir os escritores aqui no Cine-Teatro e até vai falar com eles no final e pedir-lhes autógrafos. Muito gostava eu de descobrir quem é…”, comentou. “É claro que mesmo que o identificasse, não o denunciaria à polícia, nem o obrigaria a pagar-me ou a devolver os livros que levou. Com certeza, lê-os todos e estima-os. E é o nosso ladrão de estimação – evento literário que se preze tem de ter um, e eu, para dizer a verdade, até começo a gostar deste. Se o conhecesse, talvez ficássemos amigos”.

 

Catarina Andrade