Como é habitual o escritor açoriano usou o humor como fio condutor das apresentações de escritores portugueses (Hugo Gonçalves, Raquel Ochoa e Possidónio Cachapa), um angolano (João Melo), uma chilena (Carmen Yáñez) e um espanhol (Miguel Rojo).

Os autores consideraram o tema estranho e quase todos tiveram como primeira reação um “Não” como resposta a este mote.

A primeira intervenção foi de Carmen Yáñez que considerou que para chegar ao ponto final, à obra terminada, há um processo criativo em que é “preciso alento”, seja ele curto ou mais comprido.

Para que escrevemos? Carmen pensa que poderá ser pela busca da vida e para esquecer a morte, para mostrar a beleza.

Referindo-se ao seu caso, Carmen Yáñez aponta que escreve “para manter a memória, para não esquecer, porque sem memória não há futuro”…

A autora considerou que o “terror do inferno” e as “lutas fraticidas” estão ao nosso lado, ocupam o presente, pelo que só nos resta como alternativa “essa folha branca, que espera ser invadida de histórias fantásticas, que nos levará a conhecer outras realidades”.

Hugo Gonçalves conduziu-nos pelo caminho da sua escrita do livro “Filho da Mãe” em que aborda a sua procura da verdade, enquanto criança que perdeu a mãe com cancro, uma mulher de apenas 32 anos. Foi vasculhar nas suas memórias e nas dos seus familiares a figura da mãe – “tinha que saber tudo o que não sabia da minha mãe”.

Hugo compreendeu que estava a escrever o livro para tentar perceber que era “imperativo que eu enfrentasse, descobrisse e descrevesse, na proporção exata, a devastação de apagar tudo”.

Um ano depois, continuou Hugo Gonçalves, “ainda não tenho resposta para esta questão” se os fins justificam os livros, “tal como quando comecei a escrever”…

João Melo entendeu que não devia preparar qualquer “exercício criativo” para responder a este mote, afirmando que o seu “baú de citações eruditas” se tinha perdido na viagem entre Luanda e a Póvoa de Varzim.

Sendo prosaico, o angolano entende que, como a “Literatura começou por ser pragmática e não morreu por isso, discutir as suas finalidades é “inútil”.

Para João Melo, o escritor tem “direito a escrever sobre tudo e da forma como entender (até obras encomendadas)”.

Vendo as coisas por outra perspetiva, afirmou João Melo, “os livros podem tentar justificar todos os fins, até os mais criminosos”. É que, “como dizem os brasileiros, papel aceita qualquer negócio, veja-se como exemplo, o ‘Mein Kampf’ do líder nazista, Hitler”.

Assim, mesmo que a transformem um dia em algoritmos, a “Literatura sobreviverá”, concluiu João Melo.

O espanhol Miguel Rojo admitiu que quando recebeu o tema para esta Mesa pensou de imediato em Maquiavel, depois em Napoleão Bonaparte, em vários outros personagens. Mas…nenhum lhe pareceu adequado para esta Mesa de debate.

À falta de assunto, como costuma fazer, refugiou-se falando do seu pai. Um guarda civil, de origem humilde, que descendia de uma família que trabalhava no campo, trabalhava com as mãos. O seu sonho era que o filho se tornasse engenheiro.

O problema era quando via na secretária de Miguel Rojo algum romance, ficava furioso. E, no caso de livros de poesia, era capaz de puxar por uma pistola. Defendia veementemente perante o filho, “a Literatura não, porque muda as pessoas”; ou então “não te atrevas a ler poesia!”

A verdade é que depois de ler “Cem anos de solidão” de Gabriel García Márquez e “O estrangeiro” de Albert Camus, o jovem Miguel Rojo nunca mais foi o mesmo e resolveu ser escritor. “O meu pai tinha razão, a Literatura mudou-me mesmo”.

Possidónio Cachapa recordou que o seu primeiro instinto foi “chegar aqui responder ‘Não’ a este tema e ir embora”. Depois considerou que não devia ser “tão impulsivo”.

Esta reação, explicou, teve que ver com o facto de “pensarmos que a Literatura é útil para a humanidade”. O que Cachapa defende é que o “ser humano é frágil e imperfeito”, porque “somos o presente”, mas também somos o que carregamos do passado. Ora, a Literatura “reflete a imperfeição e a fragilidade que temos dentro de nós”.

Possidónio considera que, “do ponto de vista civilizacional”, os fins justificam os livros, pois não é por acaso que, hoje, vemos livros a serem queimados ou proibidos. Há quem considere que “os livros são extremamente perigosos”.

E conclui afirmando que, “nós, os que lemos, se calhar seremos os últimos a dizer ‘Não’ ou ironicamente ‘Chega’ aos Bolsonaros que andam por aí à solta, alguns deles estão aqui a chegar”…

Raquel Ochoa afirmou que “um bom escritor ou um bom jornalista quase que vende a mãe por uma boa história para contar”. Mas há algo que acaba por não passar para o leitor nessas histórias, que é o “esforço”, as peripécias de bastidores, todo o trabalho e suas circunstâncias.

Mas a escritora vai contar no seu próximo livro, precisamente essas estórias de outras histórias que já foram publicadas.

Assim, Raquel Ochoa vai contar na próxima obra a viagem à América do Sul que esteve na origem do livro “O vento dos outros”, o emprego de limpar o interior de aviões enquanto escrevia o seu segundo livro “Bana” ou ainda a aventura do salto de ‘bungee jumping’ que experienciou na Nova Zelândia, quando escreveu “Sem fim à vista”.

Raquel Ochoa contrariou sempre uma afirmação de um colega indiano que dizia que “os escritores bons são aqueles que tiveram vidas trágicas ou miseráveis”. A autora prefere afirmar que “viver sem medo é que dá boas histórias”.

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