E de facto, durante as quase duas horas e meia de debate falou-se um pouco de tudo: de escuridão, de clichés, de imaginação, de silêncio, sobretudo de silêncio.

Maria Manuel Viana foi uma das participantes do debate e centrou o seu discurso na busca do escritor pela frase, pela expressão ou pelo nome, e o constante desencontro entre o pensado e o escrito, entre a frase que se imagina mas que depois de transposta para o papel já parece não ser bem o que se quer.

Já Eduardo Brum começou por dizer que é escritor quem tropeça nas palavras, mas também quem tropeça em si mesmo, nos outros, nos pensamentos. E é então na página em negro, e não em branco, que o escritor conta a sua dor e a dor dos outros. O escritor açoriano terminou a sua intervenção dizendo que se o escritor não tropeça, não escreve. E se não
escreve, morre.

Seguiu-se Ignacio Martinez de Pisón, escritor espanhol que desde logo começou por criticar a tendência de se usarem muitas palavras para se dizer algo simples. Há uma tendência para a complexidade na escrita, e os clichés são também exemplo disso, como Martinez de Pisón acabou por referir.

Do apelo à simplicidade na linguagem, passou-se ao desafio à imaginação trazido pelo escritor argentino Lázaro Covadlo. Afirmou nunca ter tido consciência de tropeçar nas palavras, antes esbarrando com elas, chegando mesmo a dizer que quando não “tropeçava” na palavra que queria, inventava-a, porque, na sua opinião, todo o artista é fundamentalmente um inventor.

laura esquivel

Laura Esquível foi a participante que se seguiu. Como não podia deixar de ser, “Como água para chocolate”, a obra mais vendida da autora e sucesso mundial, foi referido e ponto de partida para um emocionante discurso por parte da autora mexicana, que confessou também nunca tropeçar mas antes chocar com as palavras. Começou por contar que “Como água para chocolate” é uma obra que homenageia todas as mulheres da sua família. Surgiu então o desejo de fazer o mesmo pelo seu pai, telegrafista de profissão e com muitas histórias para contar. No entanto, a doença de Parkinson retirou ao pai da escritora a possibilidade de comunicar verbalmente. Foi então que Laura Esquível decidiu tentar comunicar com o pai por um telégrafo ligado a um computador. Mas também a capacidade motora acabou por ficar comprometida, acabando Laura Esquível e o seu pai a comunicar através do silêncio.  Esta vivência permitiu à autora encontrar-se e aperceber-se da importância do silêncio para entender o que foi dito e o que ficou por dizer.

O debate terminou com uma declamação conjunta entre participantes na mesa de debate e plateia do poema “Autopsicografia”, de Fernando Pessoa: “O poeta é um fingidor. / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é a dor / A dor que deveras sente (…)”

E ficou a ideia no ar: talvez numa próxima edição deva ter lugar uma mesa de debate com o tema “É escritor quem tropeça no Silêncio”.