“Convoco os meus antepassados para que a voz não me trema e possa dizer as palavras que dão forma ao texto, as palavras das mulheres que ficaram nas cidades entregues a si próprias quando os maridos partiram para as montanhas iniciando uma viagem de circum-navegação, tão trágica, mas com um final tão feliz”, começou por ler Luís Cardoso. A sua intervenção, emocionada e poética, prendeu o público da primeira à última palavra do autor timorense.

Helena Vasconcelos anunciou: “vou falar de poesia e da força da poesia”. A escritora explicou que “Aristóteles compôs o primeiro tratado de teoria literária e dá-nos uma visão daquilo a que ele chamava poesia. Esta obra tem sido alvo de infindáveis discussões porque foi composta em resposta à ideia de poesia de Platão, que argumentava que a poesia era a mera representação das aparências. Creio que Platão era um fantástico agente provocador”.

Jesús del Campo disse que “o tempo desvanece as imagens. As palavras lutam por lhes dar forma” e falou sobre a vida da cantora canadiana Joni Mitchell.  

Mas, afinal, “qual a força da poesia, o que representa, de onde vem e para onde vai? E, já agora, que vivemos numa sociedade utilitária, para que serve? A poesia vem do cérebro, como afirma Freud? Do corpo, que segundo Hélia Correia dispõe das armas do pensamento que nos leva a resgatar a ideia da polis? Do coração, desse órgão vital e palpitante que representa a vida esfusiante, como reclamavam os românticos? Será só dos dedos ágeis dos poetas e das poetisas?”, questionou. “A poesia deve provocar a catarse”, um processo de que fala Aristóteles e que se supõe ser aquilo a que se chama purga. E que felizes seríamos nós se os políticos contemporâneos, que se impõe as nós com violência cega e sem freio, lessem as palavras justas e certeiras de Maria Teresa Horta e Hélia Correia, por exemplo. Que bom seria se os fracos legisladores de agora trocassem a dose maciça de austeridade, a carga feroz sobre as nossas costas, por doses maciças de poesia que nos purgassem definitivamente”, desabafou.

“Que armas são estas, de que dispõe o meu corpo, no interior do meu corpo, em si mesmo, arma e risco e indissociáveis entre si? Que armas são estas do meu desassossego? Quando publiquei o meu primeiro livro o meu pai disse-me: colocaste uma arma no peito apontada a ti própria. Desde então, a escrita passou a ser arma de me salvar dentro do meu corpo”, disse Maria Teresa Horta. Dividido em quatro partes, o texto da poeta – trabalhado durante duas semanas – arrancou aplausos do público, visivelmente comovido com as suas palavras. E foi à escritora que o público quis colocar questões no final desta 2ª mesa: “o Prémio D. Dinis, para mim, enquanto poeta, foi o prémio que mais gostei de receber na minha vida. Não o recebi das mãos do primeiro-ministro. É diferente do que alguns autores fazem, que não recebem nada, seja de quem for. Comigo não foi isso que se passou. Eu não recebi o Prémio das mãos do primeiro-ministro. E não recebia nada. Nem uma côdea de pão se estivesse a morrer de fome”, declaração que agradou ao público, que aplaudiu Maria Teresa Horta.

“A poesia é um ato supremo revolucionário, mesmo em tempos de paz, mesmo em tempos de júbilo. Continuo a achar que a poesia é a palavra suprema. Os poetas são os alquimistas do futuro. Enquanto os alquimistas transformavam em ouro, o poeta transformam em sonho. Sem sonho não se pode viver. Sem sonho não se pode construir a liberdade. Então, o que fazem os poetas em tempos e crise? São poetas. A poesia é uma arma mortífera para os ditadores”, sublinhou.

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