César Ibánez Paris decidiu abordar o tema proposto trazendo para a mesa outro escritor, o poeta espanhol Antonio Machado. Através de alguns poemas daquele que foi um dos escritores mais significativos da chamada “Geração de 98” de Espanha, César Ibánez Paris demonstrou a relação, por vezes explícita, entre palavra e memória. Destacou passagens em que as palavras são, efectivamente, uma memória nomeadamente quando há uma evocação da paisagem e da esposa morta, esta última uma recordação dolorosa das profundidades da mente do poeta, em que a esposa “surge literalmente”. Ao ler um soneto de Antonio Machado conseguimos “intuir como funcionava a sua própria mente através de um texto clarificador” em que as palavras são instrumento de trabalho, um material sensível. Num outro poema sobre a morte, há também uma “evocação do passado através de um sonho dialogado entre o poeta e a morte”, referiu.

Mário Zambujal, no seu característico tom humorístico que causa risos em toda a plateia, contou algumas das suas histórias a propósito das palavras e das memórias. Estes conceitos remeteram o jornalista para a “passagem do tempo” e a propósito referiu que “quanto mais o tempo passa, mais tempo passa para a memória. Tenho mais tempo vivido, logo tenho mais memória”, concluiu. Mário Zambujal partilhou situações em que “a memória é mais do que palavras” porque lhe faz também viver emoções e ir “mais fundo do que as palavras”. Referiu-se ainda a tertúlias em que participa e nas quais a expressão “Lembras-te de…?”, que frequentemente surge, é ponto de partida para “memórias das memórias”. O escritor afirmou que “há palavras que são memória mas têm uma força de actualidade permanente” e exemplificou com a palavra “novo” que “dá ideia de ruptura com a própria palavra «memória»”. Para Mário Zambujal, “as novas tecnologias, um dia, não serão tão novas como isso e serão memória” e concluiu “o passado vai ter cada vez mais futuro”.

Ignacio Martínez de Píson referiu-se à sua obra literária revelando que os seus contos convocam momentos do passado porque “escrever é uma maneira de guardar memórias e recordar”. O escritor natural de Saragoça contou que nas suas narrativas reconstroi a cidade da sua memória citando alguns elementos do passado como a Torre dos Italianos, “contando a história deste edifício, contei de alguma forma a histórias da minha família, do meu avô que era Carlista”. Através da história de um neto italiano fascista que acompanhava o avô a cerimónias na Torre dos Italianos, Ignacio Martínez de Píson narra na sua obra memórias do seu passado.

Para Nuno Júdice, “a memória é sobretudo o cruzamento entre coisas que faço ou fiz e as minhas leituras” e logo citou um verso de Baudelaire “un éclair… puis la nuit” para referir que o relâmpago é a memória que fica na noite que nós somos. E outros poemas lhe foram surgindo e acrescentou “temos as nossas memórias mas estas cruzam-se muitas vezes com aquilo que lemos e isso faz-nos viver as coisas de outra maneira”.

João Paulo Borges Coelho abordou o verso de Jaime Rocha em dimensões diferentes confessando que para tentar chegar a um sentido lhe veio à memória o neto a tentar agarrar o sabonete que lhe foge das mãos e comprometeu-se “vou tentar agarrar o meu sabonete”. O historiador afirmou que “a nomeação é feita através de palavras”, logo estas são uma “ponte que nos liga ao mundo” e “enlouqueciamos sem palavras porque não saberiamos falar de coisas distantes e ausentes”. “Escrevemos uma infinidade de vezes determinada palavra”, o que nos leva a “reviver o real através do mecanismo da repetição”, disse. Referiu-se também à dimensão poética e à fractura entre acontecimento e palavra. Através de um poema de Sartre (“O homem está além das palavras/ O poeta está aquém das palavras”) enunciou que “o poeta não domina as palavras, é dominado por elas”.

João Paulo Borges Coelho terminou manifestando a sua inquietação perante o momento actual em que “as palavras surgem anémicas”, “presente grande e inchado, assente no esquecimento. Não nos atrevemos a criar utopias”. Expressou ainda a sua opinião em relação ao Novo Acordo Ortográfico que “se destina a eliminar o passado específico da memória e a perder a notícia do percurso e da vida das palavras, do seu passado”. “No p do meu Egipto ninguém mexe”, concluiu.

Enquanto escritor, Rui Zink assumiu que “tento ser homem de palavra e de memória. As palavras viajam mas vivem também do esquecimento”. E a propósito do verso “As palavras são apenas uma memória”, o escritor partilhou com o público um facto real com que se deparou recentemente e como a interpretação das palavras causou desentendimento entre pessoas.