O tema Sodade, eternizado por Cesária Évora, deu origem a diferentes comunicações sobre este sentimento coletivo e tema obsessivo da literatura, que tem tanto do passado como do futuro.

Afonso Cruz contou a história que escreveu de um jovem viajante do séc. XIX que queria provar que a terra não era redonda e saiu de casa dos pais, deu a volta ao mundo e, quando regressou, a casa era um escritório de advogados. Isto para demonstrar que nunca voltamos ao sítio de origem, há um declínio inevitável e também uma parte irrecuperável porque quando regressamos tudo mudou. E daí surge a melancolia associada à saudade por não encontrarmos aquilo que deixamos, há uma erosão associada.

Para o escritor, “todos somos saudosos e desejamos voltar a um sítio qualquer onde fomos felizes”, mas este é um problema da saudade: “achamos que o passado é melhor do que o futuro. Muitas vezes a saudade impede-nos de ver o local onde estamos. Tudo de bom está no futuro, não existe”.

Xosé Ramon Pena transmitiu que a saudade não só resulta de tristeza, também é capaz de causar sorriso e centrou a sua abordagem recordando o seu passado: “saudade da minha terra, Galiza, saudade dos meus que partiram para além, saudade de mim, saudade do mar e dos que ali ficaram…”

Também vindo da Galiza, Manuel Vilas disse encontrar-se perante um mistério, pois não existe um sentimento idêntico em espanhol. No entanto, considera que escritores da literatura espanhola possam ter criado algo parecido e deu exemplos de criações de autores espanhóis que se aproximam deste sentimento. Desde logo o seu mais recente romance e primeiro a ser publicado em Portugal, Em tudo havia beleza, ao filme “Dor e glória” de Pedro Almodóvar em que está presente a nostalgia pela família e infância.

José Luís Peixoto optou por chamar a atenção para o cliché de que a palavra saudade só existe em português, desde logo contradito pelo tema da mesa Sodade, numa outra língua – crioulo de Cabo Verde. Para o escritor, a ideia de que há palavras que só existem numa determinada língua vai contra a literatura enquanto algo universal. A este propósito, referiu-se à tradução como “a perseguição de transpor um texto para outra língua; uma ambição da comunicação e da literatura. No entanto, há sempre uma margem entre aquilo que queremos dizer e o que é entendido. A literatura e língua vivem num paradoxo difícil de aceitar e não podemos fechar os olhos ao facto de todas as palavras serem individuais, mas o que nomeiam é universal”.

Yara Monteiro escolheu o seguinte verso da música Sodade: “Se vou escrever muito a escrever/ Se vou esquecer muito a esquecer/ Até dia que vou voltar” para revelar que a sua escrita não se pode dissociar de uma saudade que não é sua, mas que lhe é dada com os pés em Portugal e o espírito em Angola.

A escritora angolana contou a história do seu avô cuja saudade não era compreendida com base na história colonial de Angola e Portugal e dificuldades de sobrevivência e adaptação à vida repartida entre dois continentes querendo dar sentido à saudade nostálgica. “Quis o destino que o passado viajasse connosco, que a saudade viajasse connosco. O avô guardava um arquivo de saudade com relevância histórica. Parte da minha infância foi passada a brincar no escritório da saudade, rodeada de saudades velhas. Enquanto escrevo estas palavras dá-me saudade. Guardemos porque poderão fazer jeito. Algumas destas saudades inspiraram-me para escrever quem sabe quiçá para desconstruir a saudade”.

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