A Escola E.B. 2/3 Dr. Flávio Gonçalves engalanou-se para receber uma sessão escolar com escritores, promovida pelo município da Póvoa de Varzim, no âmbito da 21ª edição do Correntes d'Escritas.
Dispensados da aula, por motivos tão válidos como bem acolhidos, foi com redobrada boa disposição que os alunos receberam Mafalda Milhões e Tino Freitas, esta manhã, para uma interativa hora e meia de perguntas e respostas.
Mafalda Milhões apresentou-se como uma ilustradora em constante aprendizagem, que “quando descobrir a técnica perfeita” será infeliz: “andava à procura da perfeição. Sofri muito até perceber que quero andar constantemente a experimentar, à procura do traço ideal”.
A editora, livreira, autora e ilustradora considera que está numa “procura constante pela inspiração, que está em todo o lado, mesmo quando não reparamos nela. Está nas conversas com os amigos, face to face e não no facebook, está na partilha do conhecimento e está nas minhas duas filhas, que são inspirações vivas para tudo o que faço”.
Questionada sobre a influência da sua prima Modesta, Mafalda Milhões emocionou-se a recordar “o cheiro a lápis de cera” sempre que a sua “artista preferida” visitava a casa da sua família em Murça e contou uma pequena história: “deu-me uma lata de cera aos 12 anos, novinha em folha. Recebi a lata, dei-lhe um beijo na cara e fui para o quarto chorar de tristeza. Não queria aqueles lápis porque eram novos e não sabiam desenhar. A minha prima, apercebendo-se disso, ofereceu-me os velhos lápis dela, que eu considerava que tinham poderes mágicos. Sei desenhar porque eles já vinham ensinados da mão dela”.
Aproveitando a oportunidade de partilha com os mais novos, Mafalda Milhões recordou o dia em que o escritor António Mota visitou a escola de “uma menina de sete anos, com totós no cabelo, que adorava escrever”. Anos mais tarde, “num evento como este, o António contou a história de uma menina de totós que gostava tanto de livros que lhe disse que um dia ia escrever melhor que ele. Sensibilizado, ofereceu-lhe um livro com a seguinte dedicatória: cá te espero um dia para te ler e sentir. Essa menina era eu e agora sou eu a dizer-vos: cá vos espero um dia para vos ler e sentir”.
Tino Freitas recordou a paixão do seu pai pela literatura, numa casa “que tinha três enciclopédias, quando só precisava de uma”. Esse gosto contagiou o pequeno Tino, que não tendo biblioteca na escola pública em que estudava, foi apresentado à escrita através de uma banca de livros, onde escolhia os que queria e levava para casa como “presentes de valor incalculável”.
Relativamente à origem do processo criativo de um escritor, o autor natural de Brasília explicou que passa por “transformar uma coisa que vês ou sentes em algo que possas partilhar com os outros” e deu um pequeno exemplo: “certo dia fui a Goiânia em trabalho e o dia não correu bem. Na viagem de regresso, estava no comboio, muito chateado, com uma «grande tromba» como se costuma dizer, e pensei para mim que tinha de tirar essa «tromba», senão a minha mulher punha-me as malas à porta. Foi então que escrevi o livro A Tromba. Cheguei a casa muito mais feliz, porque contar histórias é oferecer humanidade”.
O bem-humorado escritor brasileiro leu A Tromba, assim como algumas outras obras de sua autoria, para ilustrar que as ideias lhe surgem “do nada” e se o lápis é a extensão da mão, “o livro é a extensão da mente, juntando a minha imaginação com a do leitor”.
“Atualmente, estou a escrever sobre o céu dos vários animais. O céu dos cães, por exemplo, não tem fogo de artificio, para ninguém se assustar, tem dinossauros enterrados por todo o lado, para eles escavarem à vontade, e não faltam portas de automóveis espalhadas para os cães se divertirem com os focinhos fora do carro”, exemplificou o autor, para gáudio dos escritores de palmo e meio sentados na plateia.
Os encontros dos escritores com alunos são momentos marcantes e de elementar importância na pegada histórica do Correntes d’Escritas. Desde o Ensino Básico até ao Secundário, a 21ª edição do festival literário irá continuar a promover sessões de autores nas escolas.
Não perca pitada do 21º Correntes d’Escritas. Acompanhe o grande evento no portal municipal e no facebook e não deixe de consultar o programa completo.