Dispensados da aula, por motivos tão válidos como bem acolhidos, foi com redobrada boa disposição que os alunos receberam Mafalda Milhões e Tino Freitas, esta manhã, para uma interativa hora e meia de perguntas e respostas.

Mafalda Milhões apresentou-se como uma ilustradora em constante aprendizagem, que “quando descobrir a técnica perfeita” será infeliz: “andava à procura da perfeição. Sofri muito até perceber que quero andar constantemente a experimentar, à procura do traço ideal”.

A editora, livreira, autora e ilustradora considera que está numa “procura constante pela inspiração, que está em todo o lado, mesmo quando não reparamos nela. Está nas conversas com os amigos, face to face e não no facebook, está na partilha do conhecimento e está nas minhas duas filhas, que são inspirações vivas para tudo o que faço”.

Questionada sobre a influência da sua prima Modesta, Mafalda Milhões emocionou-se a recordar “o cheiro a lápis de cera” sempre que a sua “artista preferida” visitava a casa da sua família em Murça e contou uma pequena história: “deu-me uma lata de cera aos 12 anos, novinha em folha. Recebi a lata, dei-lhe um beijo na cara e fui para o quarto chorar de tristeza. Não queria aqueles lápis porque eram novos e não sabiam desenhar. A minha prima, apercebendo-se disso, ofereceu-me os velhos lápis dela, que eu considerava que tinham poderes mágicos. Sei desenhar porque eles já vinham ensinados da mão dela”.

Aproveitando a oportunidade de partilha com os mais novos, Mafalda Milhões recordou o dia em que o escritor António Mota visitou a escola de “uma menina de sete anos, com totós no cabelo, que adorava escrever”. Anos mais tarde, “num evento como este, o António contou a história de uma menina de totós que gostava tanto de livros que lhe disse que um dia ia escrever melhor que ele. Sensibilizado, ofereceu-lhe um livro com a seguinte dedicatória: cá te espero um dia para te ler e sentir. Essa menina era eu e agora sou eu a dizer-vos: cá vos espero um dia para vos ler e sentir”.

Tino Freitas recordou a paixão do seu pai pela literatura, numa casa “que tinha três enciclopédias, quando só precisava de uma”. Esse gosto contagiou o pequeno Tino, que não tendo biblioteca na escola pública em que estudava, foi apresentado à escrita através de uma banca de livros, onde escolhia os que queria e levava para casa como “presentes de valor incalculável”.

Relativamente à origem do processo criativo de um escritor, o autor natural de Brasília explicou que passa por “transformar uma coisa que vês ou sentes em algo que possas partilhar com os outros” e deu um pequeno exemplo: “certo dia fui a Goiânia em trabalho e o dia não correu bem. Na viagem de regresso, estava no comboio, muito chateado, com uma «grande tromba» como se costuma dizer, e pensei para mim que tinha de tirar essa «tromba», senão a minha mulher punha-me as malas à porta. Foi então que escrevi o livro A Tromba. Cheguei a casa muito mais feliz, porque contar histórias é oferecer humanidade”.

O bem-humorado escritor brasileiro leu A Tromba, assim como algumas outras obras de sua autoria, para ilustrar que as ideias lhe surgem “do nada” e se o lápis é a extensão da mão, “o livro é a extensão da mente, juntando a minha imaginação com a do leitor”.

“Atualmente, estou a escrever sobre o céu dos vários animais. O céu dos cães, por exemplo, não tem fogo de artificio, para ninguém se assustar, tem dinossauros enterrados por todo o lado, para eles escavarem à vontade, e não faltam portas de automóveis espalhadas para os cães se divertirem com os focinhos fora do carro”, exemplificou o autor, para gáudio dos escritores de palmo e meio sentados na plateia.

Os encontros dos escritores com alunos são momentos marcantes e de elementar importância na pegada histórica do Correntes d’Escritas. Desde o Ensino Básico até ao Secundário, a 21ª edição do festival literário irá continuar a promover sessões de autores nas escolas.

Não perca pitada do 21º Correntes d’Escritas. Acompanhe o grande evento no portal municipal e no facebook e não deixe de consultar o programa completo.