O moderador aproveitou a oportunidade para sublinhar a importância de eventos como o Correntes d’Escritas, “um encontro de família, que todos os anos recebe caras novas”, principalmente em tempos como os que vivemos, marcados por atentados às liberdades humanas.

José Gardeazabal, primeiro escritor a tomar a palavra, considera a literatura fundamental para combater o totalitarismo e o maniqueísmo, que têm como objectivo “reduzir as palavras e, simultaneamente, a liberdade”.

A palavra, para o romancista, dramaturgo e poeta lisboeta, é “herói da democracia, porque faz acreditar, discutir e duvidar”. As obras clássicas de literatura, segundo o autor, comprovam esta ideia, pois “nunca são lidas, mas sempre relidas e é esta releitura que permite o pluralismo e o debate entre vivos e mortos”.

José Luís Peixoto, que entende a liberdade como um dos grandes valores da literatura, caracterizou a mesma como “um horizonte que nunca se consegue atingir absolutamente”.

O autor de literatura portuguesa contemporânea considera que o inimigo da liberdade pode ser o próprio individuo, através da autocensura, o que representa “ um desafio intelectual, de ultrapassar as restrições que colocamos a nós mesmos, porque estas levam ao perigo da autojustificação, ao comprometimento com determinadas ideias, de tal forma que acabamos por fechar a nossa identidade e assumimos que não podemos mudar e pensar de outro modo”.

Para atingir a liberdade, a escrita não deve ser imparcial, porque “a imparcialidade é uma ilusão e a literatura tem de nascer de convicções, não deve pedir desculpa e deve definir uma perspectiva de análise sustentada em todos os temas”, concluiu.

Ativista, preso político no Chile, refugiado e exilado, Luís Sepúlveda rapidamente captou a atenção da plateia do Cine-Teatro Garrett. O escritor citou o grande clássico de cinema norte-americano Spartacus, com Kirk Douglas no papel principal, para apresentar uma alegoria fortíssima à liberdade: “no final da película, o legionário pergunta aos escravos quem é afinal Spartacus e, um por um, todos dizem «eu sou Spartacus». Eles fazem-no reconhecendo que desta forma estariam a assinar a sua condenação à morte, mas dão esse passo necessário porque é o preço a pagar pela liberdade, ainda que não viessem a usufruir dela”.

O jornalista e escritor chileno definiu a liberdade como “a suprema aspiração de um homem e a síntese perfeita de tudo o que se pode alcançar” e, simultaneamente, “uma soma de direitos durissimamente conquistados, que não tem solidez nem envergadura”.

Num momento de luta pelo entendimento e preservação do valor da palavra liberdade, Luís Sepúlveda fez um paralelismo com “alguns dos piores momentos da nossa história, em que grandes pensadores refletiram sobre a facilidade de nos esquecermos como ela era, se é que alguma vez a vimos”.

Indo de encontro a esta ideia, Marta Orriols manifestou o seu pesar por “vivermos tempos em que se erguem muros e fronteiras”, ressalvando que encontros de partilha como o Correntes d’Escritas são “essenciais”, porque propiciam “esta pureza infantil de nos sentarmos, lermos e nos compreendermos, em tempos tão revoltos”.

A catalã, historiadora de arte de formação, considera que “o poder da palavra é a única ferramenta para podermos alcançar a liberdade e para contar o que tem de ser dito, porque a literatura existe para provocar perguntas e ajudar a compreender melhor o ser humano”.

“Num mundo que coloca rótulos, a escrita é a ferramenta essencial para terminar com as verdades absolutas, que não nos levam a lado nenhum”, sublinhou a autora.

Na última intervenção da Mesa, Paula Lobato de Faria destacou a importância que este tema teve para a sua escrita, pois escreveu o livro A Imaculada “para vingar a falta de liberdade da minha mãe, forçada a casar com um homem que não amava e a carregar consigo uma carga de frustração enorme, em tempos de ditadura”.

“De seguida, vinguei o nosso país e vinguei toda uma geração que foi combater para as antigas colónias, num tempo em que dois jovens foram presos por sete anos, em 1961, apenas por darem vivas à liberdade numa esplanada”, acrescentou Paula Lobato de Faria, que acredita que “isto pode voltar a acontecer um dia”, mas que será sempre livre nos seus livros.

Não perca pitada do 21º Correntes d’Escritas. Acompanhe o grande evento no portal municipal e no facebook e não deixe de consultar o programa completo.