Júlio Machado Vaz foi o convidado de Correntes à Conversa de ontem.
O psiquiatra falou sobre amor, paixão, poesia, medicina e envelhecimento.
A Sala de Atos do Cine-Teatro Garrett estava abarrotada. Nada de novo quando se trata de uma iniciativa no âmbito do Correntes d’Escritas.
Júlio Machado Vaz, além de ser um extraordinário ouvinte – ao mesmo tempo fruto e necessidade da sua profissão – é um conversador nato.
O sexólogo começou por referir Freud e a sua frase “sobre amor perguntem aos apaixonados e aos poetas”. Segundo Machado Vaz, Freud “tinha uma fé inabalável na ciência e tinha a certeza que as suas teorias seriam comprovadas biologicamente. Chegou à Psicanálise de modo fortuito. Antes disso esteve em laboratório a dissecar peixinhos e, inclusivamente, com muito gosto”. Com Oskar Pfister manteve uma amizade longa e trocou diversas cartas (entretanto publicadas) onde eram feitas confidências sobre família, amigos e pacientes. O suíço Pfister era diferente de Freud em muitos aspetos, a começar pela religião. Enquanto Freud se definia como “um herege incurável”, Pfister não era apenas religioso, mas também teólogo e pastor da Igreja Reformada Suíça, além de professor e psicanalista – por influência do amigo.
Em 1927, Freud escreveu o livro O futuro de uma ilusão, no qual define a religião como uma neurose coletiva e que a ciência era a sua fé. Enviou o manuscrito ao amigo que “respondeu” com o livro A ilusão de um futuro. Se, para Freud, a religião se iguala a um sonho e a uma ilusão, na busca do homem pelo pai protetor, para Pfister, o pensamento realista e o desejo não são ilusões e devem conviver com as muitas dimensões da vida, inclusivamente com a ciência.
Hoje, a noção de inconsciente é vista praticamente de maneira consensual.
Sobre depressão, o psiquiatra confessou que quando as pessoas lhe dizem “o senhor não imagina o que isto é”, eu respondo: “não preciso imaginar, eu sei o que isso é. Agora, nós temos é estilos diferentes. Não estamos todos ansiosos da mesma maneira, não estamos todos deprimidos da mesma maneira”.
“Quando desumanizamos a medicina para termos, agora, que a humanizar?”. Júlio Machado Vaz explicou que “há 150 anos o arsenal terapêutico era bastante limitado. Com as drogas, a eficácia aumentou brutalmente mas a relação médico-doente quase desapareceu. Com a descoberta dos antibióticos as humanidades foram sacrificadas. A medicina entrou no sonho megalómano que as drogas curam tudo”. Segundo o psiquiatra, um médico de família está mais capaz de saber porque o reumatismo daquela senhora aumenta em setembro do que um especialista que não conhece o historial da paciente. Porque o médico de família que acompanha a senhora há anos sabe que o filho dela está emigrado e que no final de agosto ele regressa ao trabalho depois de passar férias com a mãe em Portugal”.
Segundo o psiquiatra, morrer é deixar de conversar. “Somos animais de relações. Em termos psicológicos podemos morrer mesmo estando em plena forma física”.
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