João Gobern foi o moderador desta mesa em que, apesar da temática conduzir para o virtual, todos os escritores, exceto um, trouxeram a sua comunicação em papel.

Maria Manuel Viana transmitiu que o que a preocupa na Internet é a erosão da verdade: “publicar informação falsa é fácil e fazê-la circular mais fácil ainda”, acrescentando que “estes últimos anos têm-nos mostrado esta evidência de Trump a Boris Johnson ou a Bolsonaro não esquecendo a nossa ditosa pátria tão amada”.

A escritora referiu que “a tecnologia não distingue entre os boatos, os rumores, as falsidades e os factos confirmados e o drama é que sem uma informação verdadeira a democracia se degrada. Por outro lado, é um facto inegável que o mundo da informação se democratizou e os leitores de telemóveis ou ipads em punho podem fazer face ao poder dos media. Se isto tem um lado positivo, por outro lado temos o resultado prático da desinformação e da dificuldade da imprensa em desempenhar o papel que é o seu numa sociedade democrática. Consequentemente, a democracia degrada-se”.

A professora evidenciou que “a internet e os seus derivados alteram não só o quadro teórico como mostram também a influência cada vez menor dos media tradicionais no comportamento dos indivíduos e dos grupos, favorecendo o espaço mediático e o espaço público contemporâneos em detrimento daquele que foi, durante muito tempo, o espaço político, por excelência, o da imprensa falada e escrita com os seus atores-comentadores escolhidos em função do que uma minoria intelectual considerava excelente”.

Miguel Szymanski, que se estreou nesta edição do Correntes, contou alguns episódios da sua vida, entre Portugal e a Alemanha, para transmitir a sua relação com os livros, que designou como a sua “paixão”: “O papel é paciente. Podemos escrever o que quisermos, mas as pessoas dão uma credibilidade grande à palavra escrita, seja em que formato for. Independentemente das mentiras que o papel suporta, os livros têm um papel muito importante na nossa vida. Precisamos de mais livros para não sermos derrotados pelos estúpidos que antes queimavam livros. Temos de ler mais livros, bons livros, bons pensadores. Temos que procurar livros em livrarias ou online, em bibliotecas ou bancos de jardim. Temos que lê-los e relê-los. Temos que guardá-los, deixá-los amadurecer, não os ler, embrulhá-los, oferecê-los. Temos que encher estantes com livros. Temos que emprestar livros mesmo que ninguém os devolva”.

E numa lógica de crescimento económico, o jornalista reforçou que “temos que investir em livros. O próximo livro vai tornar-nos mais ricos. Os livros tornam-nos mais humanos só de olharmos para eles e nos movermos entre eles”.

Terminou dizendo que “bons livros e boas viagens são experiências quase iguais. Ler ou viajar é viver outras vidas”.

Também jornalista mas presença já assídua no Correntes, José Mário Silva destacou, na sua intervenção, Eric Hobsbawm, “historiador respeitadíssimo na academia mas também fora dela pelo rigor e alcance das análises que fez aos movimentos sociais dos últimos séculos. Soube o que é sofrer na pele, mesmo em democracia, as consequências de uma filiação ideológica desalinhada com os grandes poderes políticos”.

O crítico literário mencionou o livro de Hobsbawm A Era dos Extremos, em que defende a ideia de que “o século XX foi um século breve, ou seja, um ano com 75 anos em vez de 100. Só começa em 1914 (Primeira Guerra Mundial) e acaba em 1989 (queda do Muro de Berlim). Sempre gostei desta ideia”. Neste sentido, questionou o tamanho que poderá vir a ter o século XXI quando sobre ele pensarem os historiadores do século XXII e também qual a data para assinalar o começo do século: “acho que o século XXI começou em 1989, precisamente onde Hobsbawm fechou o século XX, com, de forma grosseira e para simplificar, a Internet. A Internet como a conhecemos começou há pouco mais de 30 anos e alguém se imagina hoje a viver sem google, sem redes sociais?”.

Terminou dizendo que “gostava tanto, mas tanto, de poder dizer aos meus netos, ou aos filhos deles, que o século XXI, essa maravilha, nasceu em 1989, quando o suposto fim da história foi só um recomeço. Infelizmente, temo tanto, mas tanto, um dia ter de lhes explicar que o século XXI começou afinal a ganhar forma em 1998, início do desabrochar desses formidáveis e terríveis algoritmos antecessores das mais sofisticadas formas de inteligência artificial sobre as quais não conseguimos sequer imaginar o que venham a ser mas que já eram em 1998 as sementes de um totalitarismo digital de que hoje, em 2020, ainda nem sequer somos capazes de imaginar a extensão que poderá vir a ter”.

Outro jornalista e escritor estreante nesta mesa foi Luís Osório que se referiu à virtualidade do mundo que faz com que este se tenha alterado em todos os seus pressupostos, enumerando as várias revoluções: tecnológica; no jornalismo; na política; na arte; nos costumes, visto que “a revolução está a ser total” e “a superficialidade ocupou a nossa interioridade”.
Para Luís Osório, “o mito da rapidez ocupou todos os lugares e, se a vida se torna mais rápida, há menos tempo para ler. Logo, os textos têm que ser mais curtos e menos profundos, têm que ir ao encontro daquilo que é este tempo, um tempo em que a profundidade passou a ser superfície”. Terminou, constatando que “a vida funciona em função da nossa capacidade de nos desiquilibrarmos”.

Também Ana Margarida de Carvalho se referiu a esta rapidez e pressa em que vivemos e atualmente e aos perigos da internet: “movemo-nos ao ritmo do software e o tempo, como é escasso devia ser mais precioso, mas pelo contrário, parece que torna tudo sem valor algum”.
A este propósito, lamentou: “é tudo urgente, é tudo ofegante para poder recuperar o direito a respirar. A pressa globalizou-se. A vertigem da velocidade vicia. Não há tempo para cozinhar, compra-se uma bimby; não há tempo para ler um livro, consulta-se o resumo da wikipédia; não há tempo para preparar uma entrevista, está tudo no youtube; não há tempo para falar, manda-se um sms”.

Assumiu que as novas tecnologias têm um potencial incrível de acesso ao conhecimento e partilha de comunicação e que tem “um fascínio enorme pelos jovens de agora e o meu otimismo vai para a existência deles. Só podem ser pessoas melhores”.

Na opinião de Ana Bárbara Pedrosa, “estamos numa altura em que há uma disseminação tal de informação que se torna muito difícil entender o que é real e o que não é e começou a haver uma mescla entre fontes fidedignas e outras fontes que não correspondem ao código deontológico”. Deu exemplo de situação em que a mentira foi usada pelo diretor do jornal com o intuito de vender mais porque as pessoas acreditavam no que lá estava escrito.
No entanto, “neste momento, a tecnologia da falsificação já tem uma dimensão universal” e “assistimos a outro fenómeno, em vez de ser entretenimento ou venda, o intuito da criação de uma notícia falsa passa a ser uma estratégia política, ou seja, não há necessariamente o intuito de se pretender que um conteúdo seja verdade mas simplesmente bombardear os meios até chegar ao maior número de pessoas para que seja considerado verdade, entrando-se no regime de pós-verdade”.
Para Ana Bárbara Pedrosa, “este tipo de notícias é de tal forma absurda que as pessoas não sentem necessidade de as contrariar de imediato, o que faz com que se espraiem e, portanto, quando há o contraditório, já é demasiado tarde para que aquilo tenha efeito”.
Do jornalismo partiu para a literatura, assumindo que “a ideia de verdade na literatura não é a mesma coisa. A literatura é um palco de liberdade absoluta em que não há o compromisso com os factos da sociedade exterior ao livro. Há sim um compromisso com a necessidade de se criar uma coesão dentro da obra mas as frases que lá estão não têm que ter uma correspondência com o real, ou seja, a partir do momento em que são escritas são todas as reais”.

Clara Usón, que lançou O Assassino Tímido nesta edição do Correntes, transmitiu que “a experiência ensinou-me que na internet se dá um efeito de contágio, notícias falsas são como vírus, multiplicam-se” e, a este propósito partilhou alguns episódios da sua vida que deram origem à propagação de mentiras em diversos meios.

A escritora catalã advertiu que “vivemos tempos perigosos. Aconselho a lerem romances porque são honestos e nas versões que nos contam há mais verdade do que em todos os algoritmos do google”.

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