Depois de uma breve e divertida introdução por parte do moderador, que se considerou um “afortunado” por não ter de abordar o conceito “para sempre”, que reconheceu não dominar, foi dada a palavra a Afonso Cruz.

O multifacetado artista introduziu uma série de vídeos familiares para debater a forma como geralmente entendemos o tempo, “uma linha contínua do passado para o futuro”. Através de movimentos repetitivos de crianças a dançar ou de um objeto a funcionar como um pêndulo, é possível vislumbrar que “há movimentos que não têm seta do tempo” e que podem ser reproduzidos do final para o princípio.

Por outro lado, com movimentos fraturantes, “há uma dispersão e irreversibilidade que quebra esta ideia do tempo circular, que se repete infinitamente”, porque “os ovos que se partem não voltam a ficar inteiros e o vinho não retorna à garrafa depois de servido”.  

“O Universo tem a tendência de estragar coisas e o tempo corre nessa direção”, destacou Afonso Cruz para ilustrar a natureza passageira da efeméride, à qual deve ser conferido o seu devido valor e importância.

O poeta angolano David Capelenguela destacou a pertinência do assunto em debate, explicado através das festas de desenho na areia que se realizam anualmente no leste de Angola, nos meses de junho e julho. Trata-se de um “concurso que desafia o tempo. Os artistas alisam a areia, começam o desenho e só podem tirar os dedos do areal quando terminarem o seu trabalho, porque se o fizerem mais cedo são automaticamente eliminados”.

Comprova-se assim que “a vida é um ato transitório e que o presente é sempre eterno, um agora em movimento”, pelo que “temos de fazer hoje, porque amanhã será tarde demais”.

“A vida é breve e a morte está sempre à espera para o artista e sua arte. Portanto, devemos aceitar, honesta e humildemente, que estamos aqui apenas de passagem”, concluiu o recém-eleito secretário-geral da União dos Escritores Angolanos.

David Machado cedo agarrou a plateia do Cine-Teatro com a leitura de um emotivo texto sobre a vida do seu avô, para quem “a vida não escondia qualquer mistério capital, vivendo-a de forma mecânica e sem questionar as leis ancestrais e religiosas”.

“Os dias repetiam-se, cada um era cópia do anterior, numa espécie de compromisso necessário quando se acha que se viverá para sempre”, ilustrou o romancista, que recorda no seu avô alguém que “se queixava o tempo todo, mas não me lembro de o ver triste”.

David Machado apresentou ao público o relato de um “combate permanente com o efémero, uma vida que era para sempre como sempre fora” de uma pessoa que o escritor julgava que “talvez pudesse continuar aqui para sempre”.

“Só o que existe pode ser efémero e somos tão breves como a memória e o amor”, sintetizou perante forte ovação dos presentes.

O renomado escritor e jornalista Fernando Sobral tomou então a palavra, descrevendo-se como “o coiote dos desenhos animados, que tenta desafiar as leis da gravidade, mas acaba sempre por cair”.

Fernando Sobral considera que o dinheiro, “uma ficção criada para a troca de produtos”, veio substituir “a religião, o dever, a igualdade, a liberdade e a justiça”, passando a funcionar como nova forma de medição temporal, que transforma os cidadãos em consumidores.

“Esta sôfrega busca do novo faz-nos viver o efémero. Deixou de haver tempo para o debate. O velho passou a descartável e já nem o novo nos satisfaz. Conhecemos todas as marcas, mas desconhecemos o nome das plantas que nos rodeiam”, frisou, comparando a novidade a uma túlipa, que “tão depressa vive como morre”.

A busca pelo novo é, segundo Fernando Sobral, “um logro”, porque rapidamente “as novas vozes se transformam em velhas e uma notícia mata a outra em cinco minutos”. “Agora, aqui, o futuro parece ser a coisa mais efémera de todas. Sem a cultura, vivemos numa era de empobrecimento radical, na ditadura do efémero e da novidade pela novidade. O tempo tornou-se objeto de consumo e os minutos correm entre eles numa corrida de 100 metros”.

Tentando explicar o “eterno mistério do tempo”, Gabriela Ruivo Trindade, estreante no Correntes d’Escritas, recordou uma frase dita pelo seu filho, em criança: “as tartarugas vivem 300 anos porque andam tão devagar que precisam de mais tempo”.

A romancista, formada em psicologia, entende que a infância é “o reino da eternidade, em que um dia pode durar para sempre”. Da ideia de eternidade vem nova ilusão, “a da infância feliz”, pois “todos achamos que foi o período mais alegre das nossas vidas, porque o ser humano vai sempre recordar aquele tempo eterno que nos transmite esta ideia de felicidade”.

Do português para o castelhano, Melcior Comes teve a seu cargo a última intervenção da manhã. O maiorquino, escritor e professor na Escola de Escrita do Ateneu Barcelonês, considera o tema desta Mesa 3 “uma magnifica definição da literatura e a melhor definição possível para o livro clássico, que pode ser permanentemente significativo e, assim, novo para sempre”.

O autor espanhol considera os escritores uns privilegiados, pois têm “a capacidade de subverter a lógica cronológica e romper a ordem totalitária do tempo e a lógica do efémero”. Deste modo, com a capacidade de reviver o que já foi vivido, este pode “sobreviver à mortalidade através da recordação”.

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